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Full text of "A inconfidencia [poema]"

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w 



A INCONFIDÊNCIA 



^t^ 






r^' 



i>S^*-.35i 



KIO DE/ANEíRO 






A INCOiNFIDHNCIA 



*4 



RODOLPHO [paixão ' 



A inconfidência' 



RIO DE JANEIRO 
Typ. LEUZINGER — rua do Ouvidor 31 & 36 

H9CA 189S 



5PRÊSERVATÍD« 
GOPYADDED 
ORIGINAL TO BÊ 
flETAJWED 

JUL 2 4 1992 






AO CLUB E Bi^TALEÃO TI&ÀD2NTSS 



M871974 



AO MEU AMIGO E PATRÍCIO 



EXH. SR. DR. AFFONSO AUGUSTO MOREIRA PENNA 




CONFIDENCIA 



Quanto mais reflicto 'nesta pagina luctuosa de 
nossa historia politicaj mais me convenço de que 
a mallograda conjuração mineira merece ser cele- 
brada pelos bons brazileiros. 

Era Vi lia Rica, no fim do século passado, a 
despeito de sua pronunciada decadência, o empório 
commercial das Minas, e^ por antithese nào raro 
observada, ninho de poetas, litteratos e homens de 
sciencia, que a frequentavam ou 'nella residiam : os 
Alvarengas, ambos laureados ; Thomaz António 
Gonzaga, enamorado cantor da formosa Marilia ; 
o insigne Cláudio Manoel da Costa, quiçá o pri- 
meiro sonetista da lingua portugueza, também con- 
sagrado pela ardente Itália, que lhe saboreava as 



m 



bellas estrophest. cmzeSssdas no idíoaia^ dulcissimo 
de Dante; o grande pregador cónego Luiz Vieira ; o 
enthusiastico dr. Maciel e outros sectários de Apollo 
davam ã velha capital, onde puUuIam caprichosos 
accidentes, feiçào accentuadamente artística. 

Alli se discutiam e exprobravam, dia a dia, os 
insólitos alvarás del-rei, sempre oppressores da opu- 
lenta capitania, pasto predilecto á cubica insaciável 
do carcomido reino, que, esfalfado pelo esbanja- 
mento dos^ r«is pcodigos,, taes coou) o fenatico 
Joáo V, precisava de ouro, de muito ouro ! para dar 
presentes fabulosos ao papa e galvanizar as chagas 
abertas pelas constantes guerras peninsulares e de- 
sastres da Inxíia^ 

O mineiro, altivo por indble, s^& pela in-» 
fluência do meio ou pelo sangue dfes progisnííope» 
audazes que lhe corre- nas veia*, vendo d^e travei 
as exigências immoderadlas da oâ^rtíe lusitenar, varias 
vezes empunhou' as armas para» dtefènder dSreitD» 
pisados pelos mandatários delía — : estupídfos^ bár- 
baros e tyranníjcos. 

Esse vezso dte indtependjeaiciay ferindo o coraça.<> 
da metrópole, nâo Fhe havia de custar peirco z 
assim foi ! Requintou-se* a oppresi^to • os impostos 
subiram de pootcr e dè vexame, tomancfó, como 
o Protêo da febula, todas as figuras.- Era elle, 
o filho- das montanhas, um precito a quem se 



11 



fazia o enorme favor d& extorquir e enthesourar 
as fulvas folhetas, ainda niaiLchada& de satigue, ede- 
suor, que arrancava á avaresa da. terra. Que lhe 
restava, pois ? Derrocar e^ser goyerno impaUtico e 
despótico, que o rediuia á condição aristotélica. 
de escravo. 

A. Inconfidência contubstanciou táo. nobre sen- 
timento ; foi o grito de guerra e desespero de 
um povo duplamente, opprimido, porque era altivo 
e brioso, porque nascera e: viyia sobre unj sola 
exuberante de riquezasi ; de um povo cuja espinha 
não se curvava e nem se curva á imposição do 
poder, como o tem demonstrado categórica e bri- 
lhantemente.: 

MaUogrou*se o patriótico intento de encontro 
á perfídia de Silvério, execravel auctor de um crime 
que excede as penas^ creadas 'pela. imaginação dan- 
tesca ! 

A semente^ poréni, germinara; a planta cres- 
cera e dera fractos fanados e teroporões até 15 de 
Novembrq de 1SS9, epocha em que veio um de 
tempo, bem formado, duradouro, mau grado aos> 
pérfidos inimigos da pátria e da joven republica. 
Entretanto, a Inconfidência ainda espera, seu cantor; 
que tal não considero nenhum dos que trata- 
ram de commoventes episódios do drama ou delle 
fizeram Gonzaga protogonista, papel que cabejya^rr 



12 



mérito^ ao ardido e genieroso alferes Joaquim José 
dà Silva Xavier — o Tiradentes. 

Prestar-se-á o assumptora bom drama ou tra- 
gedia que o abranja todo ; a poema capaz de 
vencer a prevenção, em voga,contra'0 género épico? 
Fico que nâo erro, respondendo affirmativamente. 
A acção náo offerece copia de acontecimentos 
heróicos, que, levados ao cadinho de engenhos 
portentosos, se chrystallizem em epopéa á guisa 
da Illiada, Odyssea, Eneida, Lusíadas, Jerusalém 
I^ibertada ou Paraíso Perdido. 

Carece da discórdia no Olynipo, por causa 
da irrequieta, ciumenta e despeitada Juno ; da 
cólera do semi-deus Achilles; dos duellos titaneos 
de Ajax, de Heitor, de Menelau, de Diomedes, 
dè Turno ; das viagens tormentosas do astucioso 
Ulysses, de Eneas, de Gama ; do heroísmo dos 
cruzados sedentos de vingança, mas ungidos de fé, 
e da lucta cyclopica dos anjos decahidos, que 
são columnas fortes de obras de tal jaez. 

Mas nâo escasseam os lances sublimes, os epi- 
sódios patheticos, e até grotescos, que elevem, animem 
e enriqueçam de adornos a narração. 

Constituem farta messe para boa colheita: — 
as devassas, a prisão em Villa-Rica, com todo o 
seu cortejo de horrores, o suicídio ou assassinato de 
Cláudio? as longas viagens feitas ao peso das cor- 



13 



rentes e arrocho das algemas, a prisão na Ilha das 
Cobras e na cadeia velha, a leitura da sentença e 
recriminações dos condemnados, o mar ty rio, des- 
prendimento e inaudita coragem de Xavier, o 
exilio, as saudades, qs idylios de Dirceu, Marilia, 
Barbara Heliodora, etc. 

Estou a crer que se William Shakspeare, o 
prodígio de Stratford — upon — Avon, abordasse o 
assumpto, talhara ura primor egual ao Hamlet ou 
Macbeth. Elle, que deu vida áquella adorável Ophelia, 
táo doce ! táo suave ! divina em sua amorosa lou- 
cura, deslizando pela corrente com a grinalda de 
flores variegadas e odorosas, em que nào havia 
violetas, porque estas, quando morreu seu pae, 
feneceram todas á ardência de suas virgineas la- 
grimas : / would give yotí some viole fs ; òut ihey 
iviiker' d all^ when my father died ; elle, que no6 
guinda á região cerúlea da poesia, do amor, da 
duvida, ante a agridoce incerteza de Romeu e Ju- 
lieta ao canto da cotovia ou rouxinol ; que nos faz 
fremir de horror ante a sombra pavorosa de Banquo, 
á mesa do rei ambicioso e assassino, oh ! como 
nào poria em scena a peregrina Marilia, o ena- 
marado Dirceu, com toda a sua pungente saudade, 
dores e descantes ? ! Como não serviria o corpo 
esquartejado de Tiradentes, em pratos d' ouro, á 
louca Maria e seus convivas ? ! 



14 



Escaldasse- itle o cérebro a ílamnia dos génios ; 
^ottejasse-me n^àlina «m pouco dessa essência ma- 
ravilhosa que os eleva ao templo augusto da Arte, 
onde modelam e remodelam. as suas obras primas, 
«que os proto^^martyres de nossa independência e 
liberdade haviam de ter cantor condigno ! 

Mas, como pairo na térrea morada do pro- 
.saismo, fora, portanto, do convívio das ^rausas, 
limito-mea lionrar-lh«s a memoria comeste modesto 
poema, se tal nome lhe calha, bosquejo de outros 
■que tratem a Inconfidência em seu conjuncto, o 
<iue ainda nâo se fez, como bem m'o ponderou o 
insigne e respeitado mestre Sylvio Roméro. 

As minhas constantes viagens, occupações tech- 
nicas, o advento da republica, em virtude do qual 
^administrei durante cerca d« dous annos o estado 
>de Goyaz, e trabalhos posteriores abriram o in- 
tervallo que se nota entre a composição dos seis 
primeiros e três últimos cantos do poema. 



INVOCAÇÃO 



Mineira musa audaz^ que a magestosa altura 
Do grão Basilio ergueste o encantador poema. 
Tempera esta minha alma, os cantos meus depura 
Na flamma em que Durào crystallizou Moema ! 
Intento celebrar da Inconfidência a idéa, 
O exilio, a magua, a dor, o soffrimento infando, 
Que elevam seus heroes a vultos de epopéa. 
Ousado sou, bem sei ! os altos céos fitando : 
Que importa? amor da pátria alevantados génios 
Não move, tão somente, a desmedida acção. 
Mutile a inveja má os versos meus, condemne-os ! 
Ditoso inda serei, se me extender a máo 
O povo — presa vil de enthronizado Anteu, 
Que eternamente o sangra e faz pender-lhe a fronte, 
A' sombra do madeiro onde afinal morreu. 
Da humanidade em prol, o Nazareno insonte I 



, 




CANTO I 



Dourando, mais e mais, o brazileiro sonho 
De espedaçar grilhões, a liberdade, alfim, 
Banhara de esplendor aquelle céo risonho 
Onde fulguram soes e rebrilhou Franklin. 
E já na excelsa França — a perennal vidente. 
Que perfilhou Marat, mas produziu Carlota ; 
Na França — ninho d'alma, estrella alvinitente^ 
Fanal do pensador na escurecida rota — 
Apparecendo vinha um foco rubro e novo, 
Que, até ás fundações, os opulentos paços 
Estremecer fazia, electrizando o povo. 
Da Santa Egreja Madre os santos reis collaços, 
A porejar temor, cadeias refundiam ; 



18 



E o velho Portugal, ensurdecido a Oeiras, 

Em vendo o despertar das gentes que o nutriam, 

Mandou-lhes, cuidadoso, embarcações veleiras, 

Com este aviso bom da maternal coroa : 

íf Si brames? raça vil, crueza e mais tributo ! 

Vermelho sangue nunca ao sangue azul enjoa, 

Quando adubado bem por tyrannete astuto ! » 

E Minas — lar de amor, enlevação do crente, 
Onde a lympha borbulha e colleando rola, 
Do plenilúnio ao raio inspirador, tremente; 
Onde as areias dão a appetecida esmola 
De uma folheta de ouro ao miserando escravo; 
E Minas, cujo seio esconde bellas gemmas 
Que hâo de cahir ás mãos do garimpeiro navo, 
E após tremeluzir em sceptros e diademas, 
Foi ella — a esplendorosa, a fada dos brazis — 
Que a sanha mais provou das lusitanas feras; 
Porque, firmando os pés em solo de rubis. 
Eleva a ousada fronte ás sideraes espheras ! 
O despotismo atroz, anaando aspectos dúbios, 
Medonho se mostrou áquelle altivo porte, 
No qual suppunha lêr, em caracteres rubeos, 
Este dilemma audaz : « Ou liberdade ou morte ! » 



19 

Governava Barbacena 
A vasta capitania 
Onde ha favos, briza amena, 
Perfumes e pedraria. 
Alma de fel e crueza, 
Não revelava inteireza 
Seu modo de justiçar : 
Este nome petrifica! 
Delle guarda Villa Rica 
Lembrança patibular. 

De quanto infeliz, panthera, 
As carnes dilacerou 
O teu colmilho de fera. 
Que a tyrannia limou?! 
Dize tu, nevado monte, 
Que pendes a velha fronte 
Sobre a cidade senil ; 
Onde vai volvendo areias, 
Lavadas em mil batêas, 
O pardacento Funil. 

Cerúleo ninho de fadas 
Em que Marilia viveu 
Cantando endeixas maguadas 
Do enamorado Dirceu; 
De Cláudio, ó musa querida. 



20 

Por quem foste engrandecida 
Em versos de fino olor, 
Nas carcomidas entranhas 
Escripturaste as façanhas 
Do fero governador! 

Coração cala esta magua ! 
O* mente, scisma potoral 
Que fora pedir á fragua 
A amenidade da aurora, 
Dar claro ao negro da sombrai 
Da escura tela, que ensombra 
O peito de quem a vê; 
Nâo ha ether que me anime :: 
Em face de tanto crime, 
Perdera o riso Arouet I... 

Foi 'nesse lindo recanto. 
De rosa e lyrio enfeitado, 
Cujos primores, emtanto, 
O vulgo os vê, descuidado. 
Que então a divos poetas, 
Depois sublimes athletas. 
Formosa idéa brilhou; 
Um pensamento — heroismo : 
Cegueira do despotismo. 
Que suffocal-o tentou I 



21 

Arbusto que tem alento 
P*ra ser madeiro algum dia, 
E que as rajadas do vento, 
Os furacões desafia, 
Hade sel-o : o moUe dorso, 
A pouco e pouco, de esforço 
Ganhando nimia porção, 
Suspende a coma frondosa. 
Que já balouça, orgulhosa 
Da altura da posição. 

Assim — o da Inconfidência^ 
Que amargo pranto orvalhara, 
E de Maria, á clemência^ 
Em sangue se radicara, 
Subio, cresceu, e foi tanto, 
Que, ao vel-o, cahiu de espanto 
O chefe da lusa grei ; 
È a aragem da serrania, 
Quando o beijava, rugia 
Contra as devassas d'el-rei. 

Medrou, floriu e deu fructo. 
Fanado fosse elle, embora ; 
Mas flores tem, que reputo 
Dilectas filhas da aurora ; 
Porque no mimo das cores. 



Rio, 1886. 



22 

No vivo de seus rubores 
Solettro dia que vem, 
A cujo brilho ha de, em breve, 
A noute, leve de leve, 
Passar aos mundos de além... 



"^ 



CANTO II 



De oitenta e oito rebrilhava a aurora 
E já rugia o povo, quando, em Nimes, 
A americano illustre Maia exora ; 
« Mira este quadro de grandeza e crimes 

(( Que a desenhar se atreve 
« Quem pede ao Norte que o Brazil subleve. 



« 'Nesse Eldorado que no Sul se ostenta 
« A formosura ergueu rubineo throno ; 
« As musas têm-lhe amor, que mais augmenta 
<f Os bellos dotes do soberbo dono : 

« Incauta natureza 
(c Pejou-lhe o seio cora fatal riqueza I 



24 



ií Banham- lhe as selvas o Amazonas, (rio 
« A que raivoso mar, â foz, recua 
« E cede á força viva, dá desvio 
ff A* massa enorme contraposta á sua 

« E que a vencer dispoz-se) 
« O S. Francisco, o Paraná, o Doce... 



« Nem Flora 'noutra parte foi mais franca, 
« Nem Fauna tanto deu do que possue ; 
tt E o reino a cuja força — áurea alavanca, 
« O mais potente dos impérios rue, 

(( Da brazileira plaga 
<( O farto seio de o conter se gaba: 



<í Fulvas pepitas e carbonos lindos, 
<( Mimosas pedras, no areal immersas ; 
« A prata, o ferro, o cobre e outros infindos 
« Metaes que têm applicações diversas 
(( Nas artes, sciencia ou uso, 
« Jazem no feudo do monarcha luso. 



25 



<( Alli balouçam palmeiraes erectos, 
« A cabriuva, o cedro, a cangerana ; 
« Rija peroba, variegados fetos, 
^ Solo ubertoso de aleitar se ufana : 
« Se lenhos mais encubro, 
« Aponto aquelle qual brazido rubro. 



■<( Estillam flores nas campinas cérulas 
« Delicioso néctar e ambrósia ; 
« Enamoradas avesinhas, querulas, 
« Trinam saudades ao morrer do dia : 

Peito de vate exulta 
■<f Ante os primores dessa terra inculta. 



« Medram, além da procurada quina, 
« Plantas repletas de vital essência, 
<( Com que debella o mal a medicina, 
« Essa dos homens protectora sciencia, 
(( Que a térrea vida alonga 
« E do sofTrer a duração prolonga ! 



26 



« Loura gramínea, cujo grato sumo 

« Adoça a bocca, mas os pés algema ; 

« O milho, o algodoeiro, o negro fumo, 

« Que encerram mór valor que a branca gemnia 

(í Mil vegetaes de preço 
« Na virgem plaga dos tupis conheço. 



De fructos lhe cedeu Pomona amada 
Arvoredos gentis e delles cuida ; 
Cedeu-lhe a manga saborosa e grada, 
O doce cambucá, que a semi-fluida, 
tt Gostosa massa esconde, 
E essa anonacea titulada — conde. 



Cheiroso abacaxi, myrtaceas tantas ! 
Que só em lustros arrolar pudera : 
— A guabiroba, os araçás, mil plantas, 
Que, ao beijo salutar da primavera, 

(( Se matizam de flores, 
D'almos perfumes e nitentes cores. 



27 



« Lá geme Nyteróe a pétreo amante, 
« Que, dia e noute, á sua porta vela ; 
« E o furado raivoso passa adiante, 
« Roçando as faces da indiana bella : 
(c Porto melhor de abrigo 
« Não topa o nauta contra o vento imigo. 



(( E, no entretanto, vis cadeias jungem 
« O povo herdeiro do torrão edenico 
« Ao lusitano carro, de onde o pugem 
« Limados aguilhões, que o vate hellenico, 

«Imaginoso e lhano, 
(í Dissera feitos pelo deus Vulcano. 



« Curvado mais que illota, humilde escravo 
« Da mui famosa e já senil Lisboa, 
« O brazileiro sofFre e curte aggravo : 
« Taes os carinhos dessa mãe — leoa, 

(( Que, avelhentada, brilha, 
(í Roubando as galas da inditosa filha ! 



28 



« Rasga-lhes as veias : pois que importa o sangue 
(( Rubro que jorra das entranhas rotas ? 
<( Que importa ? se ella o sorve, e, quando exangue, 
« A victima lhe implora algumas gottas, 

« Ensandecida e fera, 
« Dentes lhe afunde de voraz panthera! 



« E se, no Tejo mergulhando a vista, 
« O luso rei affaga o pensamento 
<( De mais prender a colossal conquista, 
<( Ás mãos lhe vinda por ditoso evento, 

« O mandatário estulto 
« Pratica a idéa redobrando o insulto. 



« Ai do colono que tiver fadário 

« De cólera accender em taes hyenas ! 

<( Bem como outr'ora a Brunehaut, Clothario, 

« Hâo de punil-o com atrozes penas : 

(( Assim, villào mavorte 
« De duro conde recebeu a morte. 



29 



« Não se consente alli que o nato leia 
<( Obra que seja da razão producto ; 
ff A industria morta jaz, só a batêa 
« Sobre a corrente bóia em usofructo 
De quem ajuncta o quinto, 
ff De sangue, embora, se conserve tinto. 



ff Vôa á metrópole a riqueza toda 
« Que extrae, suando^ o faisqueiro imbelle ; 
ff EUe, que as raâos calleja, o corpo enloda, 
ff E ao sol de fogo mais denigre a pelle, 

ff Nos lares seus pensando, 
ff Na cara esposa, no travesso bando ! 



ff O reino até privou a máe zelosa 
ff Da roca e seu tear, onde tecia 
« Tâo alvo panno como a nivea rosa, 
ff Com que de amor o fructo aqueceria: 

ff Iniquo privilegio, 
ff Quanto degradas o governo régio ! 



30 



« Cadeias, pelourinhos, cadafalsos, 
<f Aflfrontas, raaldicções, penas infames 
<( Que a lei commina contra réos 'descalços, 
<í Cumprir hão de fazer cruéis dictames ; 
« Mas, tu, manchado sceptro ! 
<í Serás na historia pavoroso espectro ! 



<( Basta!... que soffro cruciantes dores; 
« O fel sorvido me acidula o peito ! 
<c Recolhe a tela de belleza e horrores 
<( Que te esboçara, de modesto aspeito, 

« Um brazileiro ausente 
« Do fofo ninho embalsamado e quente.. 



« Em tua fronte illuminada e bella 
« Aos olhos meus sorri doce esperança : 
« Alegra-te, minha alma, exora, appella ! 
« Pois quem da pátria cuida nâo descança: 

<( Filho da Norte-America, 
<( Nós venceremos sem batalha homérica ! » 



31 



* 



Curvado ao jugo do destino adverso, 
Amor ardente consagraste, heroe, 
Ao ninho teu paterno, ingrato berço, 
Porque de tuas cinzas nâo se dóe ! 



Pulsou- te o coração á catadupa 

De luz brilhante que te enchera a mente ; 

Que scenas festivaes Paris agrupa 

Em torno de teu ser, quasi indigente ! 



Breve, parou- te do viver a agulha ! 
E nem sequer da habitação ignota 
Vislumbre de esperança, uma fagulha, 
Te illuminou a funerária rota. 



Pois Jefferson volvera : «Nâo podemos 
M Romper com Portugal as relações ; 
« Mas, se vencerdes no combate, havemos, 
^< Havemos de prestar- vos adhesôes !...» 



%> 



32 



Nâo quiz, quem sabe? a inextricável sorte 
Que preenchesses o logar sublime 
Daquelle que, sofFrendo ultrage e morte, 
Martyr seria do falado crime. 



Porém, teu nome escreve o povo justo 
De Xavier ao lado e este conceito: 
tf Si a graça houvesses merecido, a custo, 
« A exilio foras trucidar o peito ! » 



Rio de Janeiro, 1886. 



& 



CANTO III 



Menezes, fanfarrão de aparvalhado estylo, 

Que de tregeitos foi jogral anti-economico ; 

Palhaço a quem devera o trovador Critillo 

Oá louros immortaes de seu poema cómico, 

Batendo, em hora boa, as agourentas azas, 

Deixara em Villa Rica embryonaria idéa, 

A qual haurindo força, aproveitando vasas, 

Treraeluziu, depois, á acção da Paulicéa: 

Precito, anjo revel, é teu fadário ou cruz, 

O* pátria, que estremeço, ó meu Brazil risonho. 

Da liberdade ver a seductora luz. 

Quando essa luz se esvai com rapidez de um sonho ?! 



84 



Acode, musa, acode ! a mente em flamma accesa, 

E aquelle dignifica heroe leal e franco 

Que de Maria esteve á exhuberante mesa 

Vingando a morte vil, qual pavoroso Banquo. 

Não tinha de alta estirpe a procedência nobre, 

Escudos e brazões, foraes e privilégios, 

Com que de almas ruins a pústula se encobre 

Por irrisão, talvez? ou desenfado régio. 

Que importa do saber a academia avara 

As portas não abrisse ao colossal plebeu, 

Se ousado havia um peito e intelligencia clara, 

Para votar á treva o horror de Prometheu? 

Por isso alegre ouviu a Maciel sciente 

Do incêndio que lavrava em toda a Europa culta, 

E palpitou á phrase : « Em nosso continente 

« Um povo exalta a lei, mas outro povo insulta : 

<íAo Norte — céo de anil, que a ethereo goso chama, 

«Ao Sul — trevosa calma, a produzir bocejo!» 

O' pátrio e santo amor, ó redemptora ílamma. 

Que accendes n*alma estóica o varonil desejo 

De alar-se, a vôo d 'águia ou de condor celerrimo. 

Aonde paire a vista e o coração reviva 

Da immensidade azul ao hálito libérrimo, 

O Tiradentes foi a tua imagem viva! 

Egrégio patriotismo ! esse rival de heroes, 

Quando morria ao lábio a voz de Maciel, 



35 



Alçando a fronte augusta á região dos soes, 
Chorou ao grande Deus uns glóbulos de fel, 
Nos quaes transparecia este aspirar ardente: 
— Quebrar, quebrar de vez a algema de colono, 
Subir ! subir da gloria ao pedestal luzente, 
Dormir sem peia aos pés o derradeiro somno! 



* * 



De Oitenta e Nove o divinal poema 
A humanidade oppressa quasi ouvia, 
E, á enrubescida aurora, o diadema 
Pos reis tyrannos o fulgor perdia, 

Quando juraste tua fé suprema 

A' Liberdadey posto que tardia^ 

De porta em porta, desdobrando o emblema 

Que a salvação da pátria resumia. 

Luziu-te uma visão — foste no encalço, 

E já suppunhas oscular a déa. 

Beijando os lábios de Silvério — o falso! 



36 



Mas, se do Christo á morte, na Judéa, 
A terra estremecera e o argento salso, 
A teu martyrio rebrilhou a idéa ! 



S. Borja, 1886. 



# 



CANTO IV 



Na casa de Paula Freire 
Ha mil encantos, ha mil ; 
Fortuna, é pena ! se esgueire 
Da nobre casa gentil : 
Na bel la sala espaçosa 
Pousa a mobiliá lustrosa 
De negro jacarandá ; 
E da varanda, entre-aberta, 
Nunca a fragrância deserta 
Do louro maracujá. 

Treme o damasco tecido 
De tafetá, de setim, 
No canapé retorcido 
Ou no estofado coxim. 
Envernizadas cadeiras 



38 

De finas rendas mineiras 
Mergulham no branco mar ; 
Pois, sob o froco alvacento, 
Se afunde a palha do assento, 
Se abysma o curvo espaldar. 

As regras d^arte e do goso 
Imperam ambas alli ; 
Vapora vaso mimoso 
Essência de bogari. 
No tecto pairam estrellas, 
Azul- carmineo - amarellas, 
Jorrando feixes de luz ; 
E, em cada canto da sala, 
Uma caçoula trescala 
Aromas de Santa Cruz. 

Ornam paredes nitentes 
Painéis de erguido valor, 
Que historias narram dolentes 
Ou doces casos de amor : 
— Helena murmura queixas^ 
Colhendo as fartas madeixas 
Das mãos de Paris febril, 
Que, nem vencido na lucta, 
Voltou com alma incorrupta 
E coração mais viril. 



39 

Saudosa do ingrato Eneas, 
Que para além velejou, 
Dido amorosa, que as deas 
Em attractivos ganhou, 
Fere o peito, onde sanguino 
Brilha o punhal assassino 
Que as niveas carnes rompeu ; 
E, sempre bella, tão bella I 
Parece que a morte a ella 
Mais formosura lhe deu. 

Aos céos, fugindo á vergonha 
De ver manchado o pudor, 
Virgínia sobe risonha 
Nas azas de casto amor. 
E tu, Lucrécia briosa, 
Que foste presa inditosa 
Da mais infame traição, 
Já te libertas da vida, 
Abrindo larga ferida 
Em partes do coração ! 

Cobrindo a face de forte, 
Augusto César não vês 
Vibrar- te golpe de morte 
Quem mais te frue as mercês ? 
E tu, beldade do Egypto, 



40 

Que ás leis do império — granito 
Foste algum tanto revel, 
Vais seduzir Marco António, 
As velas dando a Favonio 
De teu marfineo batel. 

Do inferno descendo á plaga, 

Pranteia Dante infeliz : 

E' que seu peito inda alaga 

Saudade de Beatriz ! 

A lyra roubando á inércia, 

Camões dedilha á Nathercia 

Endeixas de acerba dor ; 

E Tasso occulta um gemido, 

Vendo o cortejo luzido 

Da enamorada Leonor. 

Ha collecçáo deslumbrante 

De telas sacras, também ; 

Da linda Rachel amante 

Ao louro deus de Belém : 

— Moysés — o salvo das aguas, 

Cura a Israel fundas maguas 

Que lhe cavou Pharaó; 

E vai transpondo o deserto. 

Andando, moroso e certo, 

Caminho de Jericó. 



_ 41 

Subindo em carro de fogo 
A*s regiões divinaes, 
Elias, em desafogo, 
Maldiz os gosos carnaes. 
Com lábias e cantilenas, 
Dalila corta as melenas 
Do mais membrudo judeu ; 
E a diva Esther, por ser linda, 
Assei\!ta Aman na berlinda, 
Em honra de Mardocheu. 

Maria, a meiga Maria, 
Cosida á nefanda cruz. 
Assiste á torva agonia 
Do miserando Jesus ; 
A cujos pés Magdalena, 
Chorosa á medonha pena, 
Impreca a Judas malsim. 
Que o mais subido thesouro 
Colloca, por sacco d' ouro, 
Nas máos de um povo — Caim ! 

Já nos salões elegantes 
Eu entro, pé ante pé. 
Para escutar os gigantes 
Que na victoria têm fé : 
De Tiradentes avulta 



( 



42 

A phrase quente e nào culta, 
Signal de peito viril ; 
Pede um logar onde morra, 
Fugindo á térrea masmorra, 
Mas libertando o Brazil ! 

Qual briza que, manso e manso, 
Faz deslizar o batel, 
Não perde vasa nem lanço 
O pertinaz Maciel. 
A uns e outros anima, 
Dizendo : « Matéria prima 
Para explodir encontrei : 
A guerra estale e rebrame ! 
Antes a morte, que, infame, 
Morrer captivo d'el-rei». 

Gonzaga, mimoso vime 
Pendido ao ar da manhã, 
Em prol da causa sublime 
Não é somenos no afan : 
Serena fronte de vate 
Jamais se curva ou se abate 
A' imposição de ninguém ; 
E a mão que borda um vestido^ 
Para o noivado querido. 
Empunha a espada também. 



43 

Um canto em meio da arenga, 

Ungido de amor e fé, 

Recita o bardo Alvarenga 

A' rude pátria, qual é. 

Mas, náo te vejo, meu Cláudio, 

Tu, que és os mimos e o gáudio 

Da terra d' ouro e rubim ; 

Onde divagas, agora, 

Que Paula Freire perora 

E faz conceitos Rolim ? 

Itália — a bella indolente, 
Sagrou- te vate, o maior 
Do novo mundo, onde ardente 
O sol rebrilha melhor ; 
Portanto, engenho primeiro, 
Não has de ser derradeiro 
Na grande vindi cação ; 
Já no calor da contenda 
Escuto a doce legenda 
Que te suggere a razão. 

Agora, esgrime o Toledo, 
De verve cheio e de ardor, 
Pois nunca se mostra quedo 
Nas discussões de valor. 
Idéas surgem da voga; 



44 

Mas Alvarenga epiloga, 
Alçando a voz senhoril : 
« E' findo o pátrio certamen : 
Libertas qux será tamen. 
Grave o pendão do Brazil ! » 



CANTO V 



E' noute negra, medonha 1 
Noute que gera duende ; 
Nenhuma estrella risonha 
No céo trevoso resplende. 
Pelos valles, pelos campos, 
Cardumes de pyrilampos 
Gottejam pingos de luz ; 
Chega a tormenta apressada: 
O ronco da trovoada 
Parece estrondo de obuz ! 



Porém é grato ao convivas, 
Que á pátria alegres se dão, 
Ver todas as forças vivas 
Da natureza, em acção. 
A lucta dos elementos 



46 

Educa ouvidos attentos, 

Pavor gelado destroe ; 

A vista o raio nào turva : 

— Se lasca um tronco, nào curva 

A erguida fronte de heroe ! 

Assim, os bravos, por gosto, 
Os gosos deixam da sala, 
Onde ha cadeiras de encosto. 
Onde o perfume trescala. 
Vencem ladeiras a pique ; 
Jorra abundoso debique, 
Porque o Toledo rodou : 
« Upa, upa ! reverendo, » 
E volve o padre dizendo : 
(( Já sobre os pés eu me estou ! » 

Tomba em cascatas a chuva. 
Brame, brame o vendaval ; 
Parece que um vento a luva 
Atira ao vento rival. 
Rue o pinheiro partido, 
Que, após medonho estampido, 
Projecta a coma no chão ; 
O cedro pende qual vime : 
Se o salva esforço sublime. 
Robustos galhos se vào... 



47 

A sussurana bravia 

Ruge, ruge na socava, 

E ocào veloz desafia 

Que ha poucas horas ladrava; 

Mas caçador, que náo dorme, 

Despreza perigo enorme, 

Os aconchegos do lar : 

Bum / bum / òum ! — a pederneira 

Foi sempre uma arma certeira, 

Ora és defuncto, jaguar! 

Como é doce, como é doce ! 

Calor da cama sentir. 

Da chuva, que o frio trouxe. 

Ouvindo a gente o cahir. 

Depois... que sonhos, que bellos ! 

Saciam fundos anhelos 

De um peito escravo d* amor; 

A embriaguez é tamanha, 

Que de fulgores se banha 

A fronte do sonhador. 

Tiradentes, que adorava 
A bella pátria inditosa, 
Scismava, louco ! scismava, 
Na Independência morosa. 
Com débeis mãos de velludo. 



48 

O somno, discreto e mudo, 
Cerrou-lhes os olhos, alfim ; 
Mas, dentre brumas e neve, 
Surgiu-lhe, leve de leve, 
Um templo d' ouro e marfim. 

Sobre columnas erguido, 
Se ostenta lindo frontão, 
No qual bem foi esculpido 
O emblema da redempção. 
Dentro da nave espaçosa, 
Cheirando a essência de rosa. 
Toda inundada de luz, 
Em três altares erectas 
Estáo as filhas dilectas 
Do immaculado Jesus. 

A' sinistra, a Liberdade, 
Tem duro sceptro rubineo : 
Quasi sempre á claridade 
Precede arrebol sanguineo ; 
A' dextra, tem gladio forte. 
Que á tyrannia dá morte 
Nas grandes revoluções ; 
Os olhos no tecto fitos. 
Porque depreza finitos 
E só devassa amplidões. 



49 

A justiceira Egualdade 
Rasoura enorme sustem, 
Com que desmouta a vaidade 
Dos tolos filhos de alguém : 
Nivela o párias ao nobre, 
Ao rico vincilha o pobre, 
Nega favores ao rei; 
Na fronte mostra a legenda : 
tf Hei de arrasar, na contenda, 
Os privilégios da lei ! » 

A diva Fraternidade, 
Tão alva como a neblina, 
Exala etherea bondade 
Da rósea bocca divina : 
O iris é da bonança. 
Dourada luz de esperança, 
Com leves traços de anil. 
Que fulge em céo de tormenta, 
Emquanto o prélio sustenta 
A bella deusa viril. 

O colossal patriota. 

Cujo peito era um vulcão 

Ante a trindade que a rota 

Ensina da salvação, 

Os grandes olhos rasgados. 



50 

De amargo pranto banhados, 
Na prima estatua fitou; 
E, abrindo os lábios ardentes, 
Este hymno de inconfidentes 
Com voz aguda vibrou : 

« Liberdade, desponta formosa 

« Do Brazil opulento no céo : 

« Que a teus lábios de anil e de rosa 

(( Elle vença medonho escarcéo ! 

« Assim ha de ter gloria bastante, 

« Ha de ser uma pátria de heroes, 

ff Astro bello de luz scintillante 

« Todo o brilho offuscando dos soes. 

ff Liberdade, excelsa filha 
ff Do intemerato Jesus, 
« Rebrilha, dea, rebrilha ! 
ff Nas plagas de Santa Cruz. 

« Pelos povos mais cultos honrado, 

ff Luminoso pharol ha de ser ; 

« Fofo ninho onde gose o exilado 

ff Longas horas de ethereo prazer i 

ff Entretanto, se affronta, se injuria, 

« Orgulhosa nação lhe assacar, 

ff Ha de ver nos combates, com fúria, 

ff Moços, velhos, bradando : — « Luctar ! » 



51 

ff Liberdade, excelsa filha 
ff Do intemerato Jesus, 
« Rebrilha, dea, rebrilha ! 
ff Nas plagas de Santa Cruz. 

« Eldorado de minas extensas, 

ff Oride ha lavras de erguido valor ; 

« Onde em mattas floridas e densas 

« Lindas aves gorgeiam : — «Amor !... » 

ff Terra cheia de gemmas infindas, 

ff Como nunca as mirara Stambul, 

ff Seja a est relia, de estrellas tào lindas ! 

ff Que mais viva resplenda no Sul. 

ff Liberdade, excelsa filha 
ff Do intemerato Jesus, 
« Rebrilha, dea, rebrilha ! 
« Nas plagas de Santa Cruz. » 

S. Borja, 1886. 



3^ 



CANTO VI 



Enamorada musa, ó musa das montanhas, 

Que outr'ora, sob um céo de azul resplandecente, 

No peito me accendeste inspirações tamanhas ! 

Idylios já não faço ao louro deus ardente : 
Da esplendorosa terra onde nasci, cuidoso, 
Somente as glorias canto aqui no Sul, somente ! 



Agora nâo te peço inspirações de goso, 

E sim aquelle tom, subidamente serio, 

Com que Dante fulmina um coração maldoso. 



54 



Nào desço de Plutão ao fumegante império, 
Para assistir, sem dó, ás cruciantes penas 
Que porventura soffra o desleal Silvério. 



Paraíso do justo e jaula das hyenas, 

Com entranhas de pomba e garras de leão, 

A Historia os olhos cerra ás illusões terrenas. 



Sente a fraqueza d* Eva e náo diz mal de Adão, 
Mas da serpente esmoe a triangular cabeça 
E execra de Caim a fratricida acção. 

Bebe o pranto de Agar ; mas, á luxuria avessa, 

Repelle o despudor, a sensual caricia 

E não pune a José, por mais que atroz pareça. 

Tem cores matinaes e a bella côr patricia, 
Para correr um tom celestemente bello 
No quadro niveo-azul d*amor e pudicicia. 

Os lábios virginaes colora com desvelo, 
Tece estemma de luz em galardão de heroe, 
Do réo imprime á face o accusador libello. 



\ 



/ 



55 



Tem risos para o bom, do mau nào se condóe; 
Ao sábio que nâo teme o cálix de cicuta 
Em templo de marfim um pedestal constroe. 

Assiste com pavor á gigantesca lucta 

Que em Tróia fez entrar o semi -deus sanguinio 

E a Grécia rehaver o pomo da disputa. 

Chora a queda de Heitor e as maguas de Virginio, 
De Lucrécia infeliz lamenta a crua sorte 
E eternamente accusa o bestial Tarquinio. 



O génio rouba, alfim, á escuridão da morte, 
Quer seja o Christo ameno, ou seja Budha austero. 
Sectário de Minerva ou do bellaz Mavorte. 



Tem antros infernaes e fauces de Cerbero, 
Horrores, maldicções e grelhas onde pena 
O Judas portuguez, germano de Ashavero... 



56 



Carbonizado está das unhas á melena, 
E, por castigo atroz de sua falsidade, 
Ainda beija os pés ao rude Barbacena ! 

De quando em vez a flamnia os lábios seus invade 
E as fulvas espiraes enroscam-se na lingua 
Delatora da acção em prol da liberdade. 

Distingo-lhe o semblante, a louca voz distingo-a ! 
Debalde assim lamenta ao fogo que o consome: 
«Trahi por causa d* ouro e quasi morro á mingua ! 

<( Tormentos dá-me o inferno, a Historia infame nome, 
«E a lusitana corte, onde a perfídia agrada, 
«A vida me deixou amargurar de fome : 

<(E' presa de Satan quem mente á fé jurada \» 



Qual serpe que se arrasta, manso e manso. 
Por entre folhas que macula e empesta, 
E vai com fím damnado e sem descanço, 



57 



Ao caminheiro, que dormita á sesta, 

Talvez sonhando gloria, 
E que, inda em meio de seu somno ameno, 
Por mordedura atroz desperto, louco, 
Sente os effeitos de subtil veneno, 
Que a mente lhe enfraquece, pouco a pouco, 
E a sensação corpórea: 

Assim tu foste aos sonhadores grandes, 
A quem chamaste irmãos e confidentes; 
Vencendo escarpas, té chegar aos Andes, 
No collo d' águias afincaste os dentes. 

Com fúria viperina ! 

Prisão, exilio, injuria, cadafalso 
Já lhes commina a tyrannia atroce, 
E, como não condemna sem percalço, 
Fareja gordos bens, por cuja posse 

Arde em gula canina : 

Estremecida esposa, chora e geme 
Ao duro golpe que te rasga o peito ! 
O' mãe, revê-te no filhinho extreme 
Que appellidam de infame leis de effeito, 

Supinamente austeras : 
Desde que os homens, do viver na lida, 



58 



A's dores de tua alma assistem quedos, 
Vae, lacrimosa, procurar guarida 
Ao centro da floresta ou aos rochedos 
Onde se alojam feras ! 



E tu, Marilia bella, um triste goivo 
Guarda no seio ás seducções vedado ; 
Pois teu cantor gentil, amado noivo. 
Para o vestido branco auri-bordado 

Não completou as tiras. 
Soluça, virgem, tua magua enorme : 
Se tanto um peito amou, tào firme nunca l 
Has de, certo, volver á cinza informe, 
Mas fugirás do tempo á garra adunca 

Ao som das doces Zyras ! 



EPITAPHIO 



Celestial belleza, a desventura 
Ungiu de fel o teu amor sagrado ; 
Da morte hauriu-te o beijo a formosura, 
Mas teu perfume alou-se immaculado ! 



59 



Subindo em azas de anjo á immensa altura, 
Onde ha trevas ou luz ? ao bem amado 
De tua alma infeliz e não perjura 
Levar tu foste o coração maguado: ' 



E' que aspiraste a redolente briza 

Que ameiga os altos cimos onde out'rora 

Falou da Liberdade a pythonisa ; 



Alli a flor da fé nunca descora : 

Ao traiçoeiro vento que desliza 

E ás duras penas mais olor vapora ! 



S. Borja, 1887. 



CANTO VII 



o REBUÇADO OU O GENIO DO FUTURO 



— Gonzaga, apanha este lyrio 
Que vês deitado no chão: 
Cahiu de um peito em martyrio, 
Varado pela afflicçâo: 
Gonzaga, apanha este lyrio 
Que vês deitado no chão! 



Beijou-lhe as folhas sedosas 
O lábio de teu amor, 
Que estilla essência de rosas, 
Mas tem das chammas o ardor : 
Beijou lhe as folhas sedosas 
O lábio de teu amor! 



62 

Marília, a bella Marília, 
O fofo leito esqueceu; 
Passou a noite em vigília, 
Chorando por ti, Dirceu : 
Marília, a bella Marília 
O fofo leito esqueceu I 

A flor colhida no valle 
Virgíneo pranto crestou; 
Ai dor! permitte que eu fale 
As raaguas que em si calou : 
A flor colhida no valle 
Ardente pranto crestou ! 

— « Dilecta de meus pezares, 
« Que entre dilectas colhi, 
« Deixando o goso dos lares 
« Por elle, a sós, eu parti : 
« Dilecta de meus pezares, 
« Que entre dilectas colhi ! 

« A face o pranto me queima, 
« Náo mais me sinto viver, 
« Pois a justiça suprema 
« O amado quer-me prender : 
« A face o pranto me queima, 
« Nâo mais me sinto viver ! 



63 

« Oh ! manda a essência divina 

« A cada estrella do céo, 

(c Cuja luz adamantina 

« Rasga das noutes o véo : 

« Oh ! manda a essência divina 

«f A cada estrella do céo ! 

<( Com ella sobe meu pranto, 
« Com ella, meu coração : 
c( Ai peito, que soffres tanto ! 
« A tua dor saberão : 
<( Com ella sobe meu pranto, 
« Com ella, meu coração ! 

<( Em todo o mundo luzente 

« Ha formoso cherubim, 

« Que a meu amor insciente 

« Aviso dará por mim : 

ff Em todo o mundo luzente 

ff Ha formoso cherubim ! 

« Foge, foge do infortúnio, 
ff Enamorado Dirceu : 
« Vate eximio a forca pune-o, 
« Se ardente canto gemeu : 
ff Foge, foge do infortúnio, 
« Enamorado Dirceu ! » 



64 

— Gonzaga, apanha este lyrio 
Que vês deitado no chão : 
Cahiu de ura peito em martyrio, 
Varado pela afflicçào ! 
Gonzaga, apanha este lyrio 
Que vês deitado no chão ! 






— Cantor exímio do Brazil inculto, 
Cláudio, meu Cláudio ! que na Itália ardente 
Brilhaste com fulgor, prestando culto 

A' doce musa de Petrarcha ingente, 

O Ribeirão do Carmo tem, occulto, 
Thesouro que a Itamonte incandescente 
Roubou, constante de crystaes de vulto, 

— Mais bellas gemmas que as do rico Oriente I 

Antes que a infâmia te macule e peie, 
O pátrio rio sonda e a agua sanguina 
Bebe onde Nise teu amor ateie; 

Pois ella, á margem do raptor de Eulina, 
Em flóreo leito, porque mais te enleie^ 
O corpo esculptural some e reclina ! 



*** 



65 



— Pintor de Anarda, que em pallor excede 
A própria Vénus soterrada em Milo, 
Da Arcádia Ultramarina deixa a sede, 
Nas lavras de S. João procura asylo. 

Fugindo aos raios que o visconde expede, 
Vai á Gruta dei- Rei poupar tranquillo. 
Onde ha ninho de amor tecido adrede, 
Columnas jonias e salões de estylo. 

Alli, da cara esposa amargo e doce 
Queixume ouvindo por tamanha ausência, 
Inda que a ausência necessária fosse; 

Alli, das flores aspirando a essência 
Que a princeza gentil do valle trouxe, 
De paz e goso nâo terás carência ! 



*** 



— Eleitos da terra altiva. 

Dessa rival do Hindostão, 

Temei a sorte afflictiva 

Que vos agoura um irmão : 

« A morte, o exílio, as torturas, 
« Consumam carnes impuras, 



06 

<( Maldictos sejam taes réos, 
« Que, a Liberdade adorando, 
« Coraraettem crime nefando 
« A' luz serena dos céos ! 

(( Quem sonha as Minas douradas 
« Remir do luso poder 
« Merece tibias quebradas, 
« Mil mortes deve morrer ; 
« Seccar o veio abundoso ! 
« Ai tempos do venturoso ! 
« Ai manes del-rei Manoel ! 
<( Onde os castellos roqueiros, 
(( As cathedraes, os mosteiros, 
« Se vinga o intento revel?! 

<( Na Costa — mouros somente, 
« Das índias — nem um pardau : 
« Que vale Gôa indigente, 
<( Que vale a triste Macau? 
(( Seccar o veio abundoso ! 
« Ai tempos do venturoso ! 
« Ai manes del-rei Manoel ! 
« Onde embaixadas — portentos, 
(c Onde os reaes casamentos, 
« Se vinga o intento revel ? ! » 



67 

— E assim com raiva epiloga 
O génio de Portugal, 
Que a propriedade se arroga 
Das terras que viu Cabral : 
(( Perca-se tudo, mas nunca 
(( A jóia que o reino junca 
« D' ouro, brilhantes, rubins; 
«Lembrem demónios a pena! 
ff Fora a justiça da scena 
« Onde me servem mastins».... 



— Já corre a louca devassa 
Cidades, villas, sertões, 
Deixando por onde passa 
Angustias, desolações ! 
Depois... dos lares expulsos, 
Grilhões, algemas nos pulsos 
E a sanha do vice- rei. 
Começa a triste Odysséa: 
Arautos da nobre idéa. 
Temei desgraças, temei ! 

Três annos de calabouço. 
Três annos de atroz soffrer. 
Com duro ferro ao pescoço, 
Do sol o brilho sem ver ! 



68 

Segredos por domicilio, 

A morte em plagas do exilio, 

No cadafalso ou prisão; 

Infâmia aos filhos e netos, 

E aos bens, por meios não rectos^ 

Confisco em pró da nação ! 

Eleitos da terra d'ouro, 
Onde ha perfume, também, 
Não é vileza ou desdouro 
Fugir ás maguas que vêm. 
Suífocae no peito heróico 
Vosso pátrio amor estóico, 
Que ora não deve explodir; 
Pois o destino esta gloria 
Escreve, com penna flórea, 
Nos fastos do sec*lo a vir. 

Minas, 1894. 



CANTO VIII 



Na triste cadeia velha, 
(O' sempiterna irrisão!) 
A turma heróica se ajoelha. 
Ouvida de confissão. 
Vê-se o salão do oratório 
Transformado em purgatório 
A' imagem do Redemptor! 
Os frades rezam e pendem, 
E os lábios delles rescendem 
Aromas de incensador. 

Ao meio da sala ardente. 
Ou sepultura a se abrir ! 
Dos cirios á luz tremente. 
Eu vejo o Rocha surgir : 
Semelha um anjo do inferno, 



70 

Que zomba do Padre Eterno 
E da justiça descrê : 
O* céosí parece que sonho, 
Eil-o que estaca e, medonho, 
Da alçada a sentença lê: 

— « Já na masmorra Glauceste, 
« O conjurado senil, 
(( Com liga da própria veste 
« A morte se deu por vil : 
« Dizemos nós, os togados, 
tf Sejam seus bens confiscados 
tf Por crime de alta traição ; 
tf E, de Maria em mais gloria, 
tf Maldicta seja a memoria, 
t( Infame-se a geração! 

tf A' forca sejam levados 

tf Tiradentes, Maciel, 

tf Paula Freire e os refalsados 

tf Vidal, Rezendes, Gurgel. 

tf Alvarenga — esse demónio, 

tf Vaz, Abreu, Francisco António, 

tf Levem baraço também; 

tf E sete, feitos em postas, 

ff Hajam cabeças expostas 

tf Nas propriedades que têm. 



71 

if Foi um delicto tremendo^ 

<í Que irroga insulto á razão, 

ff Que extende aos filhos (havendo) 

<r £ aos netos a punição : 

ff Infames sejam por isso ! 

ff Arrase o régio serviço 

ff A casa onde se tramou, 

ff Bem como a do réo damnado 

ff Que mais se mostra culpado 

ff £ mór firmeza ostentou! 

« Degredo por toda a vida 

ff Soífram Gonzaga e mais réos 

ff Na terra desprotegida, 

ff De brutos ninho e de incréos. 

ff Hajam castigo supremo 

ff Os tonsurados, que o demo 

ff Venceu com mil tentações ; 

« Rompam-lhe as carnes cilicios, 

ff Façam cruéis sacrificios 

ff Ao retenir dos grilhões! » 

O mar murmura e se agita, 
A terra treme de horror. 
Ante a crueza inaudita 
Do tribunal julgador : 
Quanto soluço que estala ! 



72 

Que ardentes prantos na sala 
Vestida de lucto só ! 
Do sol aos raios bemvindos, 
Ai ! que tormentos infindos ! 
Que sonhos feitos em pó! 



TiRADENTES 

Tenho minh'alma embebida 
Nos mysterios da Trindade; 
A morte não me intimida, 
Mais te quero, ó Liberdade ! 



Alvarenga 

Que maguas que sinto agora 
Por muito amar-te, Brazil, 
Ai da querida Heliodoral 
Ai de Iphigenia gentil ! 



Vidal 



« Ora eu morrer enforcado ! » 
Degraus da forca subir! 
Juro que não : hei sondado 
A Relação do porvir. 



73 



Abreu 



Nicolau, emquanto, emquanto 
D' alma me sorves o fel, 
Deixa que molhe de pranto 
Esse teu peito fiel ! 



GURGEL 



Pobre dentista ambulante, 
(Oh ! que lembrança que dóe !) 
Deu-me a alçada *num instante 
Virente palma de heroe ! 



Paula Freire 

Porque chorar crua sina 
Quem deste mundo não é ? 
Palpito á graça divina, 
Ao doce effluvio da fé ! 



Rezende pae 

Do velho pae alquebrado, 
Que mal se pôde mover. 
Sê, filho, o firme cajado, 
O braço forte ao morrer ! 



74 



Rezende filho 



Vale a vida, porventura, 
A morte, meu genitor, 
Que dá fim á desventura 
E lenitivos á dor ? ! 



Francisco António (allucinado) 

A* forca! á forca!... endoudeço; 
Levem-me o Christo d* aqui ! 
De seu olhar nâo careço. 
Pois já na forca morri!... 



Maciel a Francisco António 

Supporta, amigo, a desgraça, 
Mais adora o Redemptor ; 
Nascido has tu para a graça 
Das duras leis ao rigor! 



Vaz de Toledo 

Caro infirma^ caro infirma ! 
Spiriius prompiusy porém \ 
Pois minha fé se confirma 
A's maguas que ao peito vêm ! 



75 

Findou o tempo fecundo 
Em choros e exclamações ; 
Reina silencio profundo 
Na sala das orações. 
Os condemnados, contrictos, 
Dos frades ouvem a Bandictos j 
E rogos ao Deus-Senhor j 
Cuja infinita bondade 
Redimiu a humanidade 
De um leve crime de amor. 

Com fé robusta e sincera, 
(Afora o moço Vidal) 
Estão deitados á espera 
De seu momento fatal... 
A prece, que tudo alcança, 
Oh ! que dourada esperança 
A's crentes almas conduz !... 
Escuto os passos da ronda: 
A' férrea porta, que estronda^ 
Do Rocha a fronte reluz. 

Eil-o que surge e que nega 
O merecido perdão ; 
E mais delictos allega, 
E mais alonga a affiicção 1 



70 

Das tochas á luz mortiça, 
Esse phantasma — justiça 
Té faz tremer a Satan : 
Oh ! mãe, esconde no seio 
O filho que ao mundo veio 
Aos risos desta manha !.... 



Voltou o duro ministro ! 
Que novas, que novas traz ? 
Já não tem olhar sinistro 
Nem semblante de Caiphaz : 
— « Maria, a santa que rege, 
« Com raiva da grei hereje, 
« O luso reino, por Deus, 
« Aos réos a pena commuta, 
« Excepto o que mais reputa 
« Contrario aos intuitos seus ! » 

Brada a turba que se apinha 

Na rua, sala e saguão 

Muitos bravos á rainha 

E vivas á Relação. 

E mais o povo se ajuncta, 

E mais colleia e pergunta : 

« Porque taes vivas, porque ? » 



77 

— (( Clemência assim nunca vista ! 
ff De gala a terra se vista j» 
Responde quem menos vê 

Em Dande, Pedras de Angoche, 
Bihé, Cacambo e Bissau, 
Por mais que a peia se arroche, 
Por mais insultos de um mau. 
Verão alguns do futuro 
Singrando em mares, seguro, 
Da Liberdade o batel ; 
Emquanto que Tiradentes, 
O mais sublime dos crentes. 
Terá sorvido seu fel! 

Porém, que bello que vel-o 
'Nessa postura de heroe. 
Que tem por outros mui zelo, 
Mas que de si não se dóe ! 
Que venham todos ouvil-o : 
ff Tranquillo, morro tranquillo, 
(( Por ser a só excepção !» 
Dizei, lisonjas de sábios, 
Quando partiu de seus lábios 
Esta palavra — perdão ? ! 

Minas, 1894. 



CANTO IX 



Lá vem da meiga aurora a luz serena e bella 
O ponteagudo cimo, os valles redourando ; 
Colleia, avança e corre e se desennovela 
Por sobre o verde mar. Gorgeia o alegre bando, 
Treme e palpita a flor ao gottejante orvalho ; 
A fera foge ao dia e vai, sanguisedenta, 
Dormir á cova escura, onde arranjou gasalho. 
O crime busca a jaula, o vicio se acorrenta, 
Emquanto do labor o filho veste a blusa. 
Oh ! doce alvorecer ! Manha, que assim despontas 
Velando a face nivea á atrocidade lusa. 
De Portugal repelle as senhoris aífrontas ! 



*** 



80 

A natureza de pavor se gela ! 
Ergue-te, povo da cidade bella, 
índia que dorme langorosa e quente, 
Emquanto ruge Guanabara á dor ; 
Ergue-te, povo escravizado e crente, 
Do sol de Abril ao fulminante ardor. 

Viva a rainha I a multidão acclame-a ! 
Pois já começa a desdobrar a infâmia 
O rubro dedo da clemência regia, 
— Essa ironia que a vileza achou ! 
Ergue-te, povo da cidade egrégia, 
E arranca as unhas que Satan limou. 

Alteia a fronte, nâo te curves, povo I 
Quebre-se a lyra se jamais te louvo. 
Caso nâo fites o infernal cortejo 
Que ao cadafalso Xavier conduz : 
Eil-o que passa, com firmeza o vejo 
Levando aos lábios a adorada cruz. 

Treme ás janellas o damasco lindo 
Das longes plagas do Oriente vindo ; 
Cobrem as ruas variegadas flores. 
Farfalham sedas de festivos tons : 
De gala é dia, mas da pátria as dores 
Ai ! nâo se curam com mavórcios sons ! 



81 

Fulgem as patas do cavallo ardido 
Que o brigadeiro, por demais garrido. 
Sujeita ao freio de metal luzente ; 
Oscilla, afouto, o festival pendão 
Da paga tropa, que o Brazil sustente 
Em prol da lusa^ maternal nação! 

Mas um contraste certamente exprime 
Que á cega turba não apraz o crime : 
Rola na salva de um irmão da bolsa 
Ouro que em missas transformado luz : 
Do bom levita que os dobrões embolsa 
Pranto nas aras se derrame, a flux ! 

A força move-se, o rodar aturde 
Da artilharia que no largo surde ; 
Tinem as armas dos dragões luzidos, 
As caixas tangem com bellaz furor. 
Rasga a membrana dos mortaes ouvidos 
De mil trombetas o feroz clangor. 

Infâmia, infâmia ! maldicção eterna 

Ao duro conde que o paiz governa! 

Razão de estado porventura ordena 

Que, após torturas na voraz prisão, 

Com apparatos se redobre a pena 

Do réo que marcha para a morte ? — Não I 

6 



82 



Acaso pensas, mandatário estulto, 

Que o martyr chora a teu brutal insulto, 

Que se ajoelha, que descerra os lábios 

E vem beijar- te o reluzente pé? 

— Nunca ! os deveres de um estóico sabe-os, 

Que a dor supporta com nobreza e fé. 

P brônzeo Christo conchegando ao peito, 
Eil-o que sobe com valor perfeito 
Da praça em meio ao cadafalso erguido, 
Por desaggravo de uma lei — terror... 
Está, verdugo, teu dever cumprido. 
Agora rufe o marcial tambor ! 

Mas nào ! as carnes desse corpo quente, 
Convulso ainda, que palpita e sente, 
Corta, posteja ! que a tarefa inglória 
Quer a justiça que se acabe assim : 

— Heroe ! já luzes na brazilia historia ! 

Judas ! começa teu errar sem fim ! 

Minas, 1894. 



^ 



NOTAS AO POEMA 



Pag. iQ. 

O mineiro, altivo por indole, eic. 

O mineiro foi e é altivo: sóbrio, modesto, 
trabalhador e hospitaleiro, náo o deslumbravam, 
nem o deslumbram, os fulgores do poder. Votando 
acendr^do amor ao lar, que ,é a cellula da pátria, 
repellira as imposições tyrannicas dos régulos por- 
tuguezes, como deu tremenda licçâo a Pedro I, que 
concebera a louca idéa de fazel-ô eleger o seu 
valido Maia. 

O movimento de 1720, a Inconfidência, a 
fria recepção de 31 e a revolução de 42 provam 



84 



exuberantemente que a ex-capitània e província de 
Minas Geraes « com seu liberalismo tradicional » (*) 
era e é o terror dos déspotas. 

Este tom nitido do caracter mineiro, além de 
outros, explica a prompta adaptação do regimen 
republicano-federativo a esta rica porção do Brazil 
central, qUe lhe tem gosado as innumeras van- 
tagens. 

Disse o cónego José António Marinho : 

«A província de Minas tem a gloria de haver 
dado os primeiros martyres á independência e li- 
berdade do Brazil em o século passado; ella tem 
ainda o brazão de ter sido simultânea com a de 
S. Paulo na manifestação dos votos em favor do 
grande acto que se realizara no Ypiranga a 7 de 
Setembro de 1822; pois quando de S. Paulo ca- 
minhava para o Rio de Janeiro José Bonífacia 
também de Minas marchava, e para o mesmo fim, 
o honrado e distincto mineiro José Teixeira da 
Fonseca Vasconcellos, visconde de Caethé, brazi- 
leiro de mui subrdo merecimento, e um d*aquelles 
a quem cabe a grande gloria de haverem directa- 
mente concorrido para a independência de sua 



(i) Mattoso Maia, Historia do Brazil^ pag. 292. 



85 



pátria. Extranha á rivalidade entre cidadãos natos 
€ adoptivos, que tanto sangue e lagrimas fez correr 
em outras provindas, a de Minas procurava nos 
indivíduos somente o amor ao paiz, o aferro á 
independência e á liberdade delle. Foi assim que 
os Pontaes, Limpos e outros lhe mereceram sempre 
as demonstrações mais decididas de consideração 
e estima, levando á primeira lista tríplice, que 
teve de apresentar, depois da organização do 
senado, o nome de Nicolau Pereira de Campos 
Vergueiro. O amor que os mineiros consagram á 
liberdade os tornam superiores ao espirito de bair- 
rismo, e os faz procurar o merecimento em qualquer 
parte do império, onde o acham. Quando as 
outras províncias mandavam á camará somente 
pessoas nellas nascidas, ou ha muito tempo resi- 
dentes. Minas elegia para seus deputados a Ribeiro 
de Andrade, Alencar, Cunha Mattos e Evaristo. 
Quando o partido absolutista no poder empenhava 
todos os seus esforços para excluir da camará tem- 
porária o então distincto opposicionista Vascon- 
céllos, o seu nome depositado nas urnas, escripto 
com lettras d' ouro, sahia delias carregado de suf- 
fragios, que o collocavam o primeiro entre todos 
os escolhidos ; e a visita do próprio monarcha, em 
1831, iião poude resolver os mineiros a que ree- 
legessem o ministro Maia, que o acompanhava. 



86 



A acceitâção de uma pasta era para um depu- 
tado mineiro uma sentença infallivel de exclusão; 
e nâo só isto, era elle sempre substituído pela 
mais forte opposicionista. Tanto era o ódio que os 
mineiros votavam ao domínio dos absolutistas !» (i) 

Por sua vez, o dr. Miranda Azevedo exordiou 
a sua censura á ultima geração mineira, que jul- 
gava pusillanime em face dos derradeiros actos do 
governo de Pedro II, com as seguintes phrases 
cheias de verdade e patriotismo : 

«Os habitantes de Minas colheram as tradições 
gloriosas de Tiradentes, e emquanto mantiveram o 
culto sacrosanto de suas idéas, foram bons, patriotas^ 
heróicos e livres. 

Por muito tempo o nome mineiro foi symbolo 
de inteireza de caracter e de hombridade civica. 
Ao primeiro imperador souberam com altivez infligir 
a licçâo da derrota ao seu valido e ministro aulico 
em 183 1, celebrando esse facto com cânticos sa- 
grados e ao som funéreo dos bronzes, que cho- 
ravam a victima do imperialismo — Libero Ba- 
daró.» (2) 



(i) Historia do Movimento Politico de 1B42 em Minas 
Geraes, pag. 58. 

(2) Tiradentes de 1884^ pag. I. 



87 

Pag. 9. 

Os Alvarengasj etc, 

Ignacio José de Alvarenga. Peixoto, natural 
do Rio de Janeiro, e Manoel Ignacio da Silva 
Alvarenga, que, antes de transferir sua residência 
para a capital do vice-reino, comnierciava com as 
musas em Villa Rica, sua terra natal/ 

O distincto litterato dr. Mello Moraes Filho (i) 
dá os dois Alvarengas como companheiros de Gon- 
zaga na jornada de Minas ao Rio. Parece-me que 
ha * nisto algum equivoco, porquanto nâo consta 
que o lyrista Silva Alvarenga estivesse por esse 
tempo na capitania de seu nascimento, ou que 
fosse colhido pelas malhas da Inconfidência. 
SoíTreu elle, é verdade, todos os horrores dos se- 
gredos coloniaes, de Dezembro de 1794 ao meado 
de 97, por ter sido denunciado, como jacobinoy 
pelo infame José Bernardo da Silva Frade, cego 
e vil instrumento de frei Raymundo de Penaforte, 
a quem o poeta farpeára, a valer, com agudos epi- 
grammas; como tudo se vê de sua biographia, 
inserta á pg. 35 e seguintes do i.** tomo da Bra- 
zíliay bibliotheca nacional dos melhores auctores 



(l) Archivo do Diòtricto Federal , supplemento de Abril 
de 1895, pag. 37. 



antigos e modernos, organizada pelo Sr. Joaquim 
Norberto de Souza e Silva. 

Diz ainda o illustre poeta e prosador bahiano : 

« O dr. Cláudio Manoel da Costa e Joaquim 
da Silva Pinto Ribeiro Pontes não os acompa- 
nharam, porque o assassinato lhes havia entorpe- 
cido os membros na cadeia de Villa Rica, abrin- 
do-lhes uma sepultura ignorada e sem lettreiro. » (i) 

Quanto ao suicidio ou assassinato de Cláudio, 
manifesto minha opinião algures. 

Por ora, pergunto ao dr. Mello Moraes Filho : 
quem era esse Ribeiro Pontes? 

Conforme se infere do exposto á pg. 328 da 
Historia da Conjuração Mineira^ que é o mais 
completo trabalho deste género que se tem pu- 
blicado sobre os factos da Inconfidência, e dos 
Últimos Momentos dos Inconfidentes de 178^, (2) 
três foram os fallecidos em prisão: dr. Cláudio 
Manoel da Costa e Francisco José de Mello, em 
Minas, e o capitão Manoel Joaquim de Sá Pinto 
do Rego Fortes, no Rio. Emquanto não forem 



(i) Ibidem. 

(2) Memoria preciosa attribuida a frei Raymundo de 
Penaforte, da ordem franciscana. 



89 



coHigidas e publicadas todas as peças officiaes re- 
lativas á Inconfidência, hào de surgir equívocos e 
duvidas semelhantes. 

Pag. i8. 

E o velho Portugal^ ensurdecido a Oeiras 

O marquez de Pombal encarou o Brazil, essa 
formosa gemma da coroa portugueza, atravez de 
um prisma de que não fizeram uso os seus ante- 
cessores e successores na direcção do governo 
lusitano. Promoveu o progresso industrial da coló- 
nia e baniu, em parte, a odiosa excepção que 
cerrava as portas dos cargos públicos aos seus na- 
turaes. Sebastião de Carvalho, o primeiro esta- 
dista portuguez e o mais cruel de todos, preparou 
um refugio na America para « o ultimo dos Bra- 
gançasyij na phrase de Oliveira Martins, antes 
pela pratica das medidas politico-administrativas 
que ideara do que pela construcção de monu- 
mentos no Pará, como parecia crer o visconde de 
Porto Seguro, (i) 

Pag. i8. 
Foi ella — a esplendorosa^ a fada dos brazis — 



(i) Historia Geral do Brazil, pag. 967 do 2? tomo. 



90 



Nenhuma das capitanias do Brazil foi tão 
opprimida como a de Minas Geraes, por isso 
mesmo que era o Eldorado descoberto, alfim, pelos 
intrépidos bandeirantes, em proveito do régio 
erário: dizem-n'o os escriptores nacionaes e es- 
trangeiros, conhecedores de seus negócios, entre 
os quaes cito Charles Ribeyrolles, o illustre pa- 
triota francez, que amou, deveras, esta grande 
nacionalidade americana, onde achara lenitivo ás 
suas maguas de proscripto : 

<í Or, de toutes les provinces de cet immense 
territoire, la plus surveillée, la plus opprimée, la 
mieux tondue, c'ètait, sans contredit, laprovince 
de Mines (Minas Geraes). Le roi, de droit sou- 
verain, prélevait le cinquième sur les valeurs trou- 
vées dans les Mines. Tout terrain découvert, ayant 
or ou diamant, n^était plus propriété particulière, 
mais devenait domaine à controle, et voici les 
parts : la première pour le fisc, la seconde pour 
le commandant militaire, la troisième pour Tinten- 
dant de la province ou du munícipe, la quatrième 
pour les auteurs de la découverte, propriétaires 
ou non. Les mineurs ayant groupe de travailleurs 
venaient derrière e glanaient. » (i) 



(l) Brazil Piitore5C9y pag. 65. 



91 



Voto sympathia a Portugal, porque é o berço 
de meus avós; porque, com ser pequeno, não 
deixou de exornar muitas paginas da humana his- 
toria com os feitos heróicos de seus filhos. 

Não praguejo a nação ; censuro os reis e os 
ministros que nâo souberam conservar tamanhas 
conquistas ; maldigo a crueldade satânica dos vice- 
reis da índia, que, com raríssimas excepções, tin- 
giram no sangue innocente dos indigenas orientaes 
as suas bellas coroas de grandes capitães e ousados^ 
navegadores; execro os mandatários estúpidos, 
perversos e venaes que se cevaram na carne e 
suor dos indigenas occidentaes. Esta linguagem 
foi e é a de portuguezes de eleição: falou-a 
Latino Coelho, falou-a Pinheiro Chagas, falou-a 
Oliveira Martins, com a nata dos pensadores, 
historiographos e publicistas dessa porção extrema 
da península ibérica. 

De uma das cadeiras da camará dos deputados 
federaes, cuja posse disputava com a força de meu 
diploma conferido por 1827 eleitores independen- 
tes, mas que me foi extorquido por certa colliga- 
ção de interesses partidários, que soube, na phrase 
incisiva do valente deputado César Zama, inscre- 
ver nos annaes do congresso brazileiro a mais 
descarada injustiça em matéria de verificação de 
poderes, assisti silencioso e commovido á leitura 



92 



da mensagem em que o benemérito consolidador 
da republica dava conta aos representantes do 
povo do rompimento de relações com o governo 
de Portugal. Dei razão ao grande morto, porque, 
realmente, as auctoridades portuguezas, em terra e 
mares do Brazil, lhe haviam cuspido ao pavilhão 
immaculado insulto por de mais aífrontoso. 

Previ, porém, que o conflicto não teria maiores 
consequências, porquanto não se dera entre dois 
povos irmãos, sim entre os respectivos governos. 

A carta infra transcripta que a Mala da Eu- 
ropa teve a subida gentileza de publicar em seu 
n. 18 de 13 de Março de 1895, melhor exprime 
os meus sentimentos com relação a Portugal : 

« S. João del-Rei, 9 de fevereiro de 1895. 

Sr, Delfim José Monteiro Guimarães, 

Doesta pequena, mas garrida cidade do grande 
estado de Minas Geraes, extendo as mãos agrade- 
cidas para apertar as de V., digno co-proprietario 
da Mala da Europa^ cuja iUustrada redacção houve 
a gentileza cavalheirosa de estampar na pagina 2.*^ 
do n. 13 a minha modesta photographia, de par 
com a de varões preclaros pelas virtudes e ta- 
lentos. 



93 



Senhor, essa prova de immerecida conside- 
ração que a Mala da Europa deu ao mais humilde 
soldado e obscuro homem de lettras da terra de 
Santa Cruz, cabe também á joven Republica Bra- 
zileira, a qual, com ser hoje independente e libér- 
rima, nâo se envergonha ou se vexa de haver 
inundado de luz adamantina o diadema dos mo- 
narchas portuguezes, como estrella que foi, sym- 
bolo da mais bella, mais rica e mais fecunda das 
conquistas levadas epicamente ao cabo pelos valo- 
rosos capitães dos séculos XV e XVI. Por isso, eu 
e todos os meus compatriotas, republicanos sinceros 
e intransigentes, anhelamos por ver que, á evi- 
dencia deslumbradora de defesas como as do con- 
selheiro A. de Castilho e tenente Oliver, se des- 
faça ou se derreta essa férrea, mas ténue barreira 
contraposta pelos chefes da maldicta e injustificá- 
vel revolta de Setembro ao curso das relações 
amistosas entre os governos de Portugal e do 
Brazil. 

Quando digo — relações amistosas entre os dois 
governos — enuncio esta grande e preciosa verdade : 
brazileiros e portuguezes, vinculados pelos vinci- 
Ihos da raça, familia, costumes, tradições e lin- 
guagem; sentindo nas veias o calor do mesmo 
sangue generoso que fez pulsar o coração de milhares 
dè heroes, em um e outro hemispherio, dando com 



94 



os pés á barreira, trilham sobraçados e alegres a 
ionga estrada da vida laboriosa. 

Este sentir cotnmum de dois povos irmanados, 
que, surdos ás maguas e pequenos resentimentos 
de seus respectivos directores politico-administra- 
tivos, nâo rompem os estreitos laços da amizade, 
fortalecidos por factores sociológicos àapàzes de re- 
sistirem a influencias physicas poderosas e varias, 
gotteja-me no fundo d'alma o néctar balsâmico 
dos deuses, se é que do Olympo pôde cahir na 
terra, em pleno coração de plebeu irreductivel, a 
deliciosa bebida dos immortaes ! 

Descendente de portuguezes, possuindo amigos 
e parentes em diversas localidades d*essa porçáõ 
da península ibérica, admirador dos feitos de seus 
filhos. Sobretudo em matéria de navegação, e de 
seus escriptores puristas, cujo zelo carinhoso com 
que tfatam o bellissirao e sonoro idioma de Ca- 
mões antes louvo do que censuro, (em que pese 
ao furor anti-classico de alguns hábeis manejadorés 
da penna, meus patricios) tudo qiianto lhe diz 
respeito me interessa, me prende e, por vezes, me 
fascina. 

Leio e releio as chronicas singelas, nâo raro 
pinturescas, de Fernão Lopes, Ruy de Pi»a, Da- 
mião de Góes, de Barros, etc, ou as paginas bri- 
lhantes da lusa historia, rica de episódios e cará- 



95 



éteres, illuminados pelo génio másculo e inflexível 
de Herculano, pelas deducções pacientes e rigo- 
rosas de Oliveira Martins, Latino Coelho, Theo- 
philo Braga e A. Ennes, ou dulcificados pelo 
olor que resumbra a alnxa patriótica e florida de 
Pinheiro Chagas, esse grande poeta da prosa, esse 
cinzelador de periodos decorados por festões de 
roxas saudades, mas que vaporam essência de 
rosas. 

Leio e releio essas paginas vibrantes de amor 
pátrio, de onde se destacam os vultos significa- 
tivos de Affonso Henriques, de d. Diniz, de 
Pedro o crú, enamorado da inditosa e nunca assaz 
querida Ignez, de Joào I, Nunalvares, João das 
Regras, d. Henrique, Vasco da, Gama, « Albu- 
querque terribil, Castro forte », Pombal e de 
outros muitos varões illustres e intemeratos, « em 
quem poder nào teve a morte ! » 

Leio e releio essas paginas gloriosas onde as 
sombras projectadas^ aqui e acolá, por um ou 
outro principe cruel e imbecil, pela baixa traição 
de algum fidalgo sem decoro, ou sórdida avareza, 
de bispos nédios e hypocritas, mais realce dâo aos 
grupos sublimes que falam das glorias de Aljubar- 
rota, « das navegações grandes que fizeram » esses 
kões do mar em fór^, desde «a occidental praia 
lusitana» aos dominios do fiUio do sol, ás terras 



96 



virgens e maravilhosas dos brazis, aos dourados 
impérios dos incas indomáveis e crentes I 

Pátria de heroes, berço avelludado de Bernar- 
dim Ribeiro, de Gil Vicente, Ferreira, Felinto, 
Garção, Almeida Garrett^ Castilho, Thomaz Ri- 
beiro, Guerra Junqueiro, Quental e de tantos 
eleitos das musas que se banham nas aguas maru- 
Ihosas do Tejo, do Douro, do Mondego, ou dor- 
mitam ao murmúrio doce e suave das brizas penin- 
sulares ; flóreo torrão de prosadores eméritos, desde 
os chronistas ingénuos e escriptores do século XVIII 
ao terso e austero Herculano, ao feroz, mas genial 
Camillo, a Latino Coelho, Oliveira Martins, Ennes, 
Theophilo Braga, Pinheiro Chagas, Ramalho Or- 
tigão e tantos outros pensadores e estylistas cujas 
obras saboreia a élife de aquém e além mar; terra 
bemdicta e eleita por Deus « para castigo dos he- 
rejes e salvação dos gentios » por que fadário cruel 
o sol desses mundos conquistados pelo heroismo 
de teus filhos audazes não mais saúda e «vê pri- 
meiro» o pavilhão glorioso que, outr*ora, symbolo 
de posse indisputada, balouçava nas torres mou- 
riscas, nos indicos pagodes, nos píncaros dos 
montes alcantilados que bordam as dilatadíssimas 
costas sul-americanas ? ! 

E' que a dynamica social tem o seu curso 
fatal. Operando, hora a hora, dia a dia, havia de 



97 



pôr termo á evolução. Frouxos eram os laços entre 
a metrópole e as vastas e longínquas colónias; 
morosa a acçào governamental; enorme o abuso 
dos pro- cônsules e famintos exactores, que talhavam 
leitos de Procusto para martyrio dos pobres con- 
tribuintes. A desintegração, que poderia ser demo- 
rada se alguns estadistas portuguezes tivessem a 
rija tempera e clarividência do férreo ministro de 
d. José, accelerou-se, dando em resultado a inde- 
pendência do Brazil e a perda de possessões da 
índia e Africa, que passaram ao dominio de nações 
mais poderosas. Estas, mais felizes e fortes, fundem 
e refundem cadeias para prenderem a si esses Eldo- 
rados, essas regiões de riqueza fabulosa, esses povos 
bárbaros, semi-barbaros, ou absurda e exquisita- 
mente civilizados, que lhes enchem os cofres de 
ouro, mas salpicam de sangue e lagrimas os estofos 
que tecem. 

Que importa, porém, a tua pequenez, ó ninho 
paterno dos Lusíadas e do seu divino cantor, se 
ella melhor attesta a fortaleza e génio de teus 
filhos, que, a espada e a penna, te hão traçado 
espheras de luz nos céos infindos da humana his- 
toria ? 

Perdoe-me, senhor, tamanho e enfadonho 
cavaco respeito á sua pátria, que é a de meus avós, 
e acceite os protestos de profunda gratidão que a 

7 



98 



y. e â Mala da Europa^ isto é^ aos seus illostres 
redactores e co-propríetarios, tem a subida honra 
de fezer o de V. 

cr.* obrig.*® e att.* 
Rodolpho Gustavo da Paixão, » 

Pag. 23. 

A americano illustre Maia exora : 

A conferencia de José Joaquim da Maia com 
Thomaz JefFerson teve lugar em Nimes nos pri- 
meiros mezes de 1788. 

Pag. 25. 

S€ lenhos mais encubro^ 

Refiro-me ao pau-Brazil, preciosa caesalpinacea, 
que constituiu um dos principaes ramos de expor- 
tação dos colonos primitivos. 

Pag. 26. 

myrtaceas tantas! 

Esta opulenta familia botânica é brilhante- 
mente representada na ílora braziliense, que conta 



99 



muitas de suas espécies : <t Nâo ha uma só das nu- 
metosissimas espécies brazileiras desta preciosa fa- 
milia que não tenha algum uso » (i) 

Pag. 28. 

Bem como ou^ora *a Brunehaut^ Clothario, 
Hão de puniUo -com atrozes fenos, 

AUudo ao martyrio de Felippe dos Santos, 
que o abominável conde de Assumar mandou, em 
dias de Julho de 1720, aimarrar pelos pés e braços 
ás patas de cavallos bravios, os quaes, soltos nas 
planicies, a bordoadas, em poucos minutos o es- 
quartejaram. 

O itlustre e venerando escriptor conselheiro 
Pereira da Silva parece crer, á vista da participação 
mentirosa do maldicto conde á corte de Lisboa, 
que Felippe dos Santos foi « enforcado, sendo seu 
corpo depois decepado em vários pedaços, que 
foram pendurados em postes levantados ás portas 
de Villa-'Rica w 5 mas o meu distincto amigo se- 
nador José Pedro Xavier da Veiga, com a compe^ 
tencia que todos lhe reconhecem em assumptos mi- 
neiros, provou exuberantemente pelas colinmnas do 



(i) CaminhoA — Botânica^ pag. 3934- 



100 



Minas Geraes de lo de Fevereiro do anno passado 
que a legenda^ 'neste particular, encerra veridica his- 
toria, 

Pag. 29. 

De quem ajuncta o quinto^ 

De sangue j embora, se conserve Unto, 

O reino até privou a mãe zelosa 
Da roca e seu tear. 

Os habitantes da capitania eram sugados até 
á medulla pelo fisco, magistrados e clero, que a 
consideravam uma inexgottavel mina de onde fariam 
brotar « o quinto do ouro, o contracto das en- 
tradas, o contracto dos dizimos, o donativo e a 
terça parte dos officios, a extracção dos diamantes, 
benesses e emolumentos ». (i) A derrama para a 
cobrança do quinto do ouro (538 arrobas, segundo 
o Sr. Joaquim Norberto, 700 na opinião de Oli- 
veira Martins (2) e 9 milhões de cruzados, (3) como 
se infere do interrogatório a que foi submettido 
Gonzaga no dia 3 de Fevereiro de 1792) dera 
pretexto para o levante, cuja senha seria : « Boje 



(1) Historia da Conjuração Mineira^ pags. 55 e 56. 

(2) O Brazil e as Colónias pag. 97. 

(3) Cerca de 586 arrobas. 



101 



€ O baptizado ?íi Era, realmente, opportuna a oc- 
casião para saccudir o jugo infernal desses mandões 
cruéis, venaes e estúpidos, verdadeiros Minotauros 
insaciáveis da carne, sangue e suor dos mineiros! 
O próprio primeiro ministro de Maria i, o 
atilado e manhoso Martinho de Mello, reconhe- 
cendo os vexames de que era victima o povo de 
Minas, exprime-se deste modo nas instruucções que 
deu ao visconde de Barbacena : (í Um género de pri- 
meira necessidade, como o sal, pagava de entrada 
a enorme imposição de noventa e três e três quartos 
por cento, sem attenderse ás despezas de avarias, 
demoras, conducções por grandes distancias e outros 
gastos que elevavam o seu preço a fabulosa quantia.» 
« Disse mais Martinho de Mello, considerando o im- 
posto a que estava sujeito o ferro, cujo custo subia 
a trezentos por cento sobre o do Rio de Janeiro : 
íf E que capital não era preciso a um mineiro so- 
mente para compras e concertos de instrumentos 
necessários para sua lavra? E quantos serviços e 
novas descobertas deixariam de se emprehender e 
proseguir? E quantas mattas e terras ficariam im- 
penetráveis e incultas pela carestia dos dictos in- 
strumentos próprios e únicos para esses trabalhos?» 
« Por outro lado, pondera o Sr. Joaquim Norberto, 
viviam os povos da rica e industriosa capitania 
no maior descontentamento possivel pela protecção 



103 



que se dava á industria manufactureira da mâe 
pátria em detrimento da do paiz. Para vivificar e 
animar os estabelecimentos do reino e dar sahida 
fácil ás suas perfeitas manufacturas era necessário 
anniquilar as fabricas brazileiras. O sopro, que era 
vivificante e animador no reino, tornava-se mor- 
tifero na colónia. Não viu o governador d. An- 
tónio de Noronha sem espanto e admiração o 
augmento considerável das fabricas mineiras e a 
diversidade dos géneros de suas manufacturas, a 
ponto de se lhe afigurar que em pouco tempo fi- 
cariam os habitantes da capitania inteiramente in- 
independentes das fabricas do reino. Prohibindo-as, 
foi o seu expediente adoptado pelo governo da 
metrópole, que não só o sanccionou como que 
extendeu a prohibição a todas as capitanias dq 
Brazil. Completou o facho dos esbirros incen- 
çliarios por conta do governo a obra da destruição 
—os teares desappareceram ! » (i). 

Como não se revoltaria essa população altiva, 
laboriosa, mas exhaurida? Aonde iria ella buscar 
700 (2) arrobas de ouro, ou sejam 27. ^6y,^44$ooo (3) 



(1) Historia da Conjurarão Mineira^ pag. $g, 

(2) Incluo as 100 arrobas do quinto annual. 

(3) Importância correspondente a 10.282.720 grammas 
de ouro em pó, barra ou obra, calculadas a 2$^oo rs., preço 



103 



para untar as guelas de Portugal^ c essa metrópole 
madastra a qual nada saciava, nem os impostos 
nem os moiK>polioSy— €ntre os quaes o do sal Texava 
a todos » (r). 

A populaç&o de Minas Geraes era calcnkda 
neste tempo em 400.000 almas; tocaria, pcortanto, 
a cada uma ^$408,^6 réis em virtude da der- 
rama, que, se fosse lançada, provocara, forçosamente,, 
distúrbios e daria resultado negativo : não iia m^ar^ 
tinham os conjurados um óptimo pretexto para o 
levante e conqui^a da liberdade apetecida, 

Pag. 32. 
Si a graça houiHsses merecida, a custo. 

Da exposição ardente de Maia a Thomaz Jef- 
ferson, conclue-se que o mallogcado fluminense 
tinha um coração que pulsava em. prol da pátria 
opprimida. 

Muito se tem escripto a respeita da Inconfi- 
dência, mas, até hoje, não se determinou a dose 
de heroísmo de que seria cada um capaz. Quanto 



médio das vendas no Rio de Janeiro, durante ai* quinzena 
de Janeiro de 1S96. 

(I) Oliveira Martins— (9 Brazil e as Cohnitrs, p^. 97. 



104 



a mim, esse episodio lúgubre, mas fecundo de 
nossa historia politica, dá para uma grande tela 
em que occupe, a sós, o primeiro plano o heróico 
alferes Joaquim José da Silva Xavier, esse hu- 
milde filho do povo e representante de uma classe 
que, apesar das calumnias e apodos dos sebastia- 
nistas^ tem dado provas de muito patriotismo e 
amor á liberdade ; em que occupem o segundo o 
cónego Luiz Vieira e Maciel ; o terceiro, Gonzaga, 
Cláudio Alvarenga, o vigário Toledo e Francisco 
de Paula ; o ultimo, os outros conjurados. 

Náo se pôde negar a Tiradentes o papel de 
protogonista no desdobramento dessa tragedia, que 
teve por epilogo a horrorosa e selvagem scena 
presenciada pela população do Rio de Janeiro a 
21 de Abril de 1792. 

Os próprios historiadores aulicos, dentre os 
quaes o já por vezes citado frei Raymundo de 
Penaforte, Varnhagem e outros reconhecem e 
fazem justiça ao heroismo e abnegação do proto- 
martyr da independência do Brazil, que, desde o 
4** interrogatório, a mais importante e luminosa 
peça de seu processo, (i) confessou, denodada- 
mente, a parte principal que teve no projectado 



t 
-^ 



(i) Vide pag. 20 e seguintes do folheto publicado por 
Esquiros em 1S72. 



\" 



105 



levante, procurando sempre aparar os golpes bran- 
didos pelos façanhudos ministros da alçada sobre 
a cabeça de seus companheiros. A nobreza de sua 
alma attinge ao sublime quando, a despeito das 
instancias diabólicas do juiz interrogador, poupa 
a Gonzaga, seu inimigo, e ao capitão Maximi- 
liano, esse protegido felizardo do visconde de 
Barbacena, que mór parte houve na conjuração 
que alguns dos condemnados á morte em terras 
d^Africa. 

Escreve L. L. (i) ápg. 3 do Tiradentes de 1883: 

« Depois o Sr. dr. Pedro Bandeira de Gouveia, 
cuja memoria é dever abençoar 'neste momento, 
iniciou em 1872 enérgica propaganda para a erecção 
da estatua de Tiradentes. 

A contradicta opposta á generosa idéa pro- 
porcionou esplendido triumpho aos defensores da 
tradição republicana e a própria obra do Sr. Joaquim 
Norberto, inspirada por pensamento hostil, é a 
mais solemne consagração da importância da In- 
confidência e da grandeza histórica de Tiradentes ». 

Concordo plenamente com os conceitos supra- 
exarados : se o Sr. Joaquim Norberto, por lamen- 
tável apostasia de suas idéas anteriores quanto ao 



(i) Nâo serão estas as iniciaes do meu amigo e velho 
companheiro de propaganda republicana o araavel Luiz Leit&o ? 



106 



movimento de que se trata, quizera amesquinhar o 
vulto giganteo de Tiradentes, nào o conseguiu, 
porque a Historia da Conjuração Mineira offerece 
óptimo estalão para medir-lhe a estatura de heroe. 
E* que o amor pátrio e a voz da justiça sobre- 
pujaram o auUcismo porventura a&inhado no peito 
do illustre membro do Instituto Histórico, que 
pouco tempo sobreviveu á queda da monarchia. 
São por demais significativas as seguintes 
phrases de frei Raymundo de Penaforte, citadas 
pelo Sr. Joaquim Norberto e quasi todos os es- 
criptores que se têm occupado da Inconfidência : 
(( Este homem foi \xm daquelles indivíduos da es- 
pécie humana que põem em espanto a mesma na- 
tureza. Enthusiasta com o afíerro de um quaker ; 
emprehendedor com o fogo de um d. Quixote; ha- 
bilidoso com um interesse philosophico ; afouto e 
destemido, sem prudência ás vezes, outras teme- 
roso ao ruido da cahida d' uma folha; mas o seu 
coração era bem formado. » Eis ahi, como diz o 
Sr. Fernando Castiço r uma linguagem que de- 
fine psychologica e physiologicamente todos os 
phenomenos do caracter heróico, suave e impres- 
sionavel do legendário mineiro » (i). 



(i) Folhetim da Jornal do Commerdo de 21 de Abril 
de 1872. 



im 



Fallã agora o insuspeitíssimo visconde de Porto 
Seguro : « Do alferes Xavier sabemos que ouvira a 
sentença com toda a serenidade; e que, com a 
maior abnegação de si, chegou a dizer quanto es- 
timava vir a pagar as culpas daquelles que elle 
havia compromettido. Por esta forma elle se 
adiantou a acceitar para si a responsabilidade (i) 
desta nobre tentativa e as glorias do martyrio que lhe 
conferiu a posteridade » (2) . 

Heroe chamou-o a alçada : « Sendo talvez por 
esta descomedida ousadia, com que mostrava ter 
totalmente perdido o temor das justiças, e o res- 
peito e fidelidade devida á dieta senhora (a rainha) 
reputado por um heroe (3) entre os conjurados» (4). 

« No meio destes vivos transportes de alegria e 
de enthusiasmo tiraram-se os ferros aos réos commu- 
tados, e só o Tiradentes ficou côm as algemas que 
lhe ligavam as mãos e os pés... e com a certeza 
da morte sem mais recurso. Não o tocou a inveja 
nem o entristeceu 'nesse lance de afilicção a sua; 
desgraça. Sorria-se tristemente e, como se quizesse 
dar a conhecer a alegria que se mesclava com a 
sua tristeza, transmittiu, do logar em que estava, 



(i e 3) Os grjrphos sâo meus. 
(2) Historia do Brazily pag. I034. 
(4) Folheto de Esqidros^ pag. 175. 



108 



parabéns aos commutados, como se não tivesse 
de si lembrança alguma. Os religiosos, que de 
prompto então o rodearam, assaz se admiraram da 
sua conformidade. Dirigiu, como um martyr christáo, 
brandas palavras repassadas de uncçào e de amor 
do próximo ao padre que o confortava, dizendo 
que morria cheio de prazer, pois nâo levava após 
si tantos infelizes a quem contaminara e que isto 
mesmo intentara elle nas multiplicadas vezes que 
fora á presença dos ministros, pois sempre lhes 
pedira que fizessem somente delle a victiraa da 
lei» (i). 

(( Ia elle subindo, um a um, os degraus da 
mystica escada que leva aos Céos — a pátria das 
santas intenções e das idéas puras. Também quando 
assomou no topo da elevadissima forca, pareceu tâo 
grande a quantos então o contemplaram, tão grande 
ante todos os symbolos do poder humano, que 
uma conturbação immensa apertou o coração dos 
mais obcecados e empedernidos, infundindo-lhes 
revolto presentimento : « Aquelle que vai morrer 
é o triumphador; nós, nós somos os abatidos, nós 
os condemnados ! . . . 

« E o instrumento do ignóbil supplicio se alteou 
tanto, que domina, e para todo o sempre domi- 



(i) Historia da Conjuração Alineira^ pag. 411. 



109 



nará a historia brazileira, tendo ante si anniqui- 
lada a lei que o levantou » (i). 

Que melhores, mais vivas e mais bellas tintas 
queremos nós, os republicanos, para colorir a 
imagem desse patriota sem jaca, desse alferes « in- 
sano », como o chamou o advogado que a lei lhe 
designara, pensando assim obter-lhe commutaçào da 
pena atroz ; deste louco sublime, pois que loucos 
foram considerados todos os grandes bemfeitores 
da humanidade, cujas idéas e planos gigantescos, 
excepto a universidade, perfeitamente dispensável 
ante os estabelecimentos de instrucçào superior, 
federaes e estadoaes, tiveram execução cabal em 
menos de um século ? ! 

O cónego Luiz Vieira da Silva e o dr. José 
Alvares Maciel, comquanto não houvessem exhi- 
bido o ardor, enthusiasmo e inexcedivel coragem 
de Tiradentes, aspiravam á liberdade de sua pátria 
e tiveram dignidade no infortúnio. Gonzaga, apesar 
de portuguez por nascimento, desejava, certo, ver 
livre e prospera a terra de seu pae e de sua ado- 
rada Marília. Mas os argumentos sophisticos, 
a negativa em que se acastellou, aliás com de- 
cência, desde o primeiro interrogatório a que foi. 



(l) EscRAGNOLLE Taunay, Revisia do Instituto His- 
tórico, tomo LIII, pag. 30. 



11<I 



submettido, o pouco enthusiasmo de que dera prova 
nos conventiculos de Villa Rica, fazem crer que 
lhe não pulsava dentro no peito um coração de 
heiK)e. 

Cláudio, comquanto fosse o progotno dos poetas 
brazileiros do século XVIII e v^otasse ardente amor 
á sua pátria, como o demonstrara em diversas 
composições suas, em que pesasse ao Sr. Joaquim 
jNtirberto, era um sexagenário (i) descrente, mor- 
tificado por soifrimentos physicos e moraes, incapaz, 
Bem duvida, de enfrentar os perigos de uma revo- 
lução 'nesses tempos tenebrosos, em que os delictos 
de lesa-magestade eram punidos com penas taes, 
que o muito jesuítico e bajulador guardião do 
convento de Santo António, dos degraus da forca 
execta no campo de S, Domingos, augmentando 
cruelmente o supplicio de Tiradentes, disse « que 
assim mesmo tinha elle (o martyr) servido de ob- 
jecto de clemência da soberana, que o não punia 
mais gravenwnie, e não menos da illuminada jus- 
tiça de seus ministros, que não lhe agravaram a 
pena 1 » (2). 



(i) Nascera a 6 de Junho de 1729 na villa do Ribeirão 
do Carmo, hoje cidade de Mariana, e suicidou-se em sua 
pris&o, em Villa Rica, a 4 de Julho de 1789. 

(2) Os grj^phos são meus. 



111 



Alvarenga xevelára calor e enthusiasmo nos 
conventiculos, mas se rebaixou ao lançar toda a 
culpa a seus amigos e exprobraçOes a sua esposa, 
que praticara a nobilissima acçfto de evitar que 
cm sua fronte de poeta laureado se estampasse o 
estigma de delator ! 

O vigário Carlos de Toledo era por demais 
crédulo e leviano ; Paula Freire — um irresoluto, 
um frajcOj preso nas malhas da Inconfidência, das 
quaes procurou sahir ajudado pelo iio da delação 
serôdia, que teve logar, officialmente, a 17 de Maio 
de 1789. Todos os mais se fizeram conjurados pela 
dependência, pelas relações de família, por inte- 
resse, temor xm simples acaso. 

Pag. 33. 

Menezes^ fanfarrão de aparvalhado estyio, 

Alludo ao capitão general Luiz da Cunha Me- 
nezes — O fanfarrão Minezio — celebrado por Cri- 
tillo nas Cartas Chilenas. 

Pag. 37. 

Na casa de Paula Freire 

« Passava a casa do tenente-coronel Francisco 
de Paula, pelo seu bom gosto, como uma das me- 



112 



Ihores de Villa Rica. Eram as paredes ornadas 
de numerosos quadros, sendo alguns de ricas 
molduras; luxuosos os trastes ; cobertos de damasco 
amarello os assentos, e com prazer franqueava elle 
a seus amigos a sua livraria abastecida de boas 
obras j) (i). 

Era Villa Rica a mais opulenta capital de ca- 
pitania brazileira no começo do século passado ; 
provam o asserto os seus templos magestosos, entre 
os quaes cito as duas matrizes, o Carmo, S. Fran- 
cisco de Assis, com sua bella fachada, Rosário e 
S. Francisco de Paula ; a monumental cadeia « ma- 
gnifico edifício onde pretende a deusa da justiça 
honrar o assento » (2); as pontes, aqueductos, via- 
ductos, chafarizes, immensas muralhas, o palácio, 
a casa dos contos (que pertenceu ao contractador 
João Rodrigues de Macedo) e vários edifícios pú- 
blicos e particulares. 

Quem quizer aquilatar a riqueza da capital 
mineira no 1.° quartel do século referido leia O 
Triumpho Eucharistico ^ memoria publicada em 
Março do anno passado no Minas Geraes, na 
qual o auctor descreve em estylo gongorico requin- 



(i) Historia da Conjuração Mineira^ pag. I02. 
(2) Poema Villa Rica, pag. 74. 



113 



tado a « trasladação do Diviníssimo Sacramento da 
egreja de Nossa Senhora do Rosário para a do 
Pilar. 

Pag. 42. 

Pede um logar onde morra. 

Na mais importante das conferencias realizadas 
em casa de Paula Freire, pedira Tiradentes para si 
a acção de maior risco, conforme declarou Maciel 
em seu 1.** interrogatório. 



Ibidem. 

E a ?não que borda u?n vestido^ 

Gonzaga estava bordando a oiro um vestido 
para sua noiva, como consta do interrogatório que 
soffreu a 3 de Fevereiro de 1790 na fortaleza da 
Ilha das Cobras. 



Pag. 43. 

Um canto em ?neio da arenga, 

Alludo ao bello e inflammado canto gene- 
thliaco composto por Alvarenga e offerecido ao 
capitão general d. Rodrigo José de Menezes. 



114 

Pag. 44. 

Libertas quce será tamen l 

Bellissima legenda proposta pelo referido poeta 
para as armas da projectada republica. 



Pag. 50. 

Liberdade^ desponta formosa 

Este hymno foi publicado n'0 Paiz de 16 de 
Novembro de 1889 e posto em musica pelo maestro 
M. Garcia Vieira, que o offereceu ao governo pro- 
visório da republica. 

Pags. 55 e 56. 
O Judas portugueZj germano de Ashavero, 

Ainda beija os pés ao rude Barba cena ! 

Não foi Joaquim Silvério dos Reis o único 
delator, foram- n' o também o tenente-coronel Ba- 
sílio de Brito Malheiro do Lago, o mestre de 
campo Ignacio Correia Pamplona e outros. Cele- 
brizou-se, porém, aquelle pela perversidade e re- 
quinte de infâmia com que desempenhara seu negro 
mister. Fecha Silvério com esta chave mais que 



lis 

vil a carta ou algaravia ddatoria que dirigiu ao 
visconde de Barbacena a ii de Abril de 1789: 

ff Meu Snr. mais Aiguas Couzas tenho Colhido 
e vou continuando na mesma deligencia o q. tudo 
farey ver a V. Ex.°* Quando mede treminar. 

« O Ceo, a iude e Ampare a V. Ex/* p.* obom 
Exzito de tudo. Bet/a os pés a V. Ex."* O mais 
Umilde cubdito Joaq.™ Silvério dos Reys í) ! 

Pag. 61. 

O rebuçado ou o génio do futuro, 

« Na noute de 17 para 18 de Maio, das 8 ás 
9 horas, alguém, homem ou mulher, rebuçado, 
trazendo nm chapéo desabado â cabeça e carregado 
sobre os olhos, dirigiu-se á casa de alguns dos con- 
jurados de Villa Rica e lhes aconselhou que quei- 
massem os papeis, que pudessem compromettel-os, 
€ fugissem, se não queriam ser presos » (i). 



Pag. 64. 

Cláudio^ meu Cláudio / que na Itália ardente 
Brilhaste com fulgor^ prestando culto 
A^ doce musa de Peirarcha ingente^ 



(i) Historia da Conjuração Mineira^ pag. 248. 



116 



O Sr. Joaquim Norberto, esse incansável ex- 
cavador dos archivos pátrios, em seu estudo con- 
sciencioso sobre Cláudio, inserto á pag. i8 e se- 
guintes do tomo L III da Revista do Instituto 
Histórico, nega a viagem delle á Roma. Isto, 
porém, pouco importa aos versos citados, por- 
quanto o poeta mineiro pertenceu á Arcádia Ro- 
mana, que o distinguia, e compoz sonetos, can- 
çonetas e cantatas na doce lingua do Alighieri ; 
<c não de todo sem êxito », como o declara Frie- 
drich Boutterweck. 



Ibidem. 

O Ribeirão do Carmo tem^ oc culto, 
Thesouro que a Itamonte incandescente 

Bebe onde Nize teu amor ateie ; 

Quem ler a bellisbima allegoria Ribeirão do 
Carmo, á pag. 1 24 do Parnaso Brazileiro de Mello 
Moraes Filho, dará valor aos versos supra. 

O assumpto da allegoria ou fabula, como o 
do poema Villa Rica, é nacional e brazileiras são 
as tintas com que Glauceste Saturnio colora suas 
imagens em estylo italo-portuguez. 

Tanto me agradam as composições deste in- 
signe poeta, cujo fado inditoso me commove e pe- 



317 



naliza deveras, que nâo me furto ao desejo de 
citar trechos de escriptores nacionaes e extran- 
geiros (dentre os quaes Caraillo Castello Branco, 
que não morria de amores pelas lettras brazi- 
leiras) que lhe conferem a palma da victoria entre 
os eleitos das musas de aquém e além mar du- 
rante o século XVIII : 

« Em sonetos nenhum poeta excedeu a Cláudio 
Manoel da Costa. Não se arreceariam de certo 
Manoel Maria Barbosa de Bocage, Francisco Pe- 
trarcha, Boscan e Garcilaso de la Vega, de que 
lhes fossem attribuidos os sonetos de Cláudio Ma- 
noel da Costa, tanto 'nelles se liga e harmoniza 
tudo : é o pensamento verdadeiramente poético ; 
são . as imagens pittorescas e apropriadas ; as phrases 
cadentes, sonoras e encadeadas com toda a per- 
feição ; é a rima harmoniosa, pura, limpida e tão 
completa que acaba natural e suavemente o verso, 
e forma como que uma musica doce e sentimental, 
cuja toada deixa o espirito commovido, arrebatado 
o coração e a alma curvada sob a impressão du- 
radoura de suas melodias.» (i) 

(( Cláudio Manoel da Costa é sem a menor 
contestação um dos maiores e mais illustres poetas 



(i) J. M. Pereira da Silva, Varões illustres do Brazil 
{Citação da R&vista do Instituto^ pag. 183 do tomo L III.) 



118 



da America, e tem logar de honra entre os grandes. 
e estimados do mundo. 

No soneto, o poema trivialissimo,. mas tão 
raro de perfeita execução, elle foi o emulo de 
Bocage, de Petrarcha e dos melhores poetas cas- 
telhanos.» (i) 

(( A nota predominante em nosso inconfidente, 
como poeta, é a melancholia ; elle é da raça dos 
Lamartines. Seu verso é doce ; seu lyrismo subje- 
ctivista. No soneto é talvez o primeiro escriptor 
da nossa lingua ; tem mais verdade e naturalidade 
do que Bocage.» (2) 

« Este poeta é um dos maiores lyristas da lingua 
portugueza, não sendo excedido no soneto por 
qualquer outro que tenha cultivado este género de 
poesia.)) (3) 

(( Por detraz do poeta, como um prolonga- 
mento sympathico de sua personalidade, assoma a 
figura do patriota, do inconfidente. A nacionalidade 
brazileira affirma-se 'nesse velho mentor dos poetas 
mineiros. O amigo de Gonzaga é, pelo menos, 



(i) J. M. DE Macedo — Anno Biographico Brazileiroy 
pag. 160. 

(2) Sylvio RomérO — Historia da Litteratura Brazi- 
leira, pag. 269. 

(3) Mello Moraes Filho — Parftaso Brazikiro^ 
pag. 4 (Biographia geral). 



119 



um exemplo para todos os que amam este paiz, 
um exemplo como patriota e um exemplo como 
lyrista,» (i) 

«Os sonetos de Cláudio Manoel da Costa s&o 
petrarchistas e na contextura têm o sinete arcádio 
da escola de Garção. Será de mais equiparal-o ás 
explosões bocagianas; porém no respeitante a lu- 
zímento e selecção dos vocábulos, Bocage foi 
menos primoroso artista.» (2) 

« Mui distincto logar obteve entre os poetas 
portuguezes desta época Cláudio Manoel da Costa: 
o Brazil o deve contar seu primeiro poeta (em an- 
tiguidade) e Portugal um dos melhores. 

Deixou- nos alguns sonetos excellentes, e riva- 
lizou, no género de Metastasio, com as melhores 
cançonetas do delicado poeta italiano. A que di- 
rige á lyra com sua palinodia imitando a tão co- 
nhecida do mesmo Metastasio a Nice, Grazié alP 
ingani tuai, póde-se apontar como excellente mo- 
delo.» (3) 

«Todavia o estylo de Cláudio da Costa, es- 
coimado de ornamentos phantasiosos ou de exag- 



(i) Sylvio Roméro, ibidem y pag. 273. 

(2) Camillo Castello Branco — Revista do Instituto^ 
tomo citado, pag. 1S4. 

(3) Almeida Garrett — Retraio de Vénus ^ pag. 208 
(Bosquejo da Historia da Poesia, etc.) 



120 



gerações, pinta o verdadeiro, unindo com rara fe- 
licidade a natureza e a poesia, com a mesma in- 
tensidade do sentimento de Petrarcha e em lin- 
guagem táo elegante e simples que podem ser con- 
tados os seus sonetos entre os melhores da littera- 
tura portugueza.» (i) 

Finalizando esta nota sobre o merecimento 
litterario de Cláudio, transcrevo o seguinte trecho 
devido a hábil penna do dr. J. A. Teixeira de 
Mello, mimoso poeta, historiador e bibliographo, 
collocado em seu verdadeiro lugar entre os maiores 
lyristas brazileiros da segunda metade do século 
vigente pelo insigne mestre Sylvio Roméro, e que 
hoje, por feliz inspiração do governo da republica, 
dirige a Bibliotheca Nacional : 

(( Apesar de mais musical do que a nossa a 
lingua italiana, e, portanto, mais apropriada para 
a poesia lyrica, os sonetos de Cláudio Manoel são 
superiores aos de Petrarcha no melodioso do verso, 
no torneado da phrase, na riqueza e variedade da 
rima. Competem alguns delles com os de Bo- 
cage.» (2) 



(i) Friedrich Bovtterweck ^ /Revista do Instituto y 
tomo citado, pag. 182. 

(2) Ibidem^ pag. 43. 



121 



Pag. 65. 

A própria Vénus soterrada em Mi lo, (i) 
£>a Arcádia Ultramarina deixa a sede 

As pacientes investigações do Sr. Joaquim 
Norberto me convenceram de que a celebre Ar- 
cádia Ultramarina só existiu na imaginação dos 
poetas da escola mineira. Se assim foi, não é 
de mais que eu considere sua sede Villa Rica, 
onde pastoreavam Glauceste Saturnio, Dirceu, 
Alceu, Critillo, Dorotheu, etc, e suas nimphas. 



Ibidem. 

Vae á Gruta dei- Rei pousar tranquillo, 

Alludo a uma curiosa gruta situada no mutii- 
cipio de S. José del-Rei (Tiradentes), próxima á 
cidade de S. João, antiga comarca do Rio das 
Mortes, na qual se vêm diversos compartimentos, 
como sejam salas, salões e corredores, decorados 
por concreções calcareas em forma de columnas 
mais ou menos regulares. (Stalactites e stala- 
gmites). 



(i) Descoberta na ilha de Milo em 1820. 



122 

Pag. 65. 
Que a princeza gentil do vaile trouxe, 

Antonomásia innocente da formosa filha de 
Alvarenga Peixoto, Maria Ephigenia, que bem serviu 
para aggravar a sorte do infeliz poeta. 

Pag. 66. 

Merece tibias quebradas , 
Mil mortes deve morrer : 

Os supplicios de que foram victimas os im- 
plicados na conjuração dos Tavoras dão idéa das 
penas comminadas pela barbara legislação penal 
do reino contra os delictos de lesa-magestade. 

Ibidem. 

Onde os castellos roqueiros, 
As cathedraeSy, os mosteiros ^ 



Onde embaixadas portentos,, 
Onde os reaes casamentos, 

« Dava o rey uma batalha 
« Deus lhe acudia do céo ; 
« Quantas terras que ganhava, 



123 

ff Dava ao senhor que lhas deo, 
ff E só em fazer mosteyros 
ff Gastava muito do seo. » (i) 

Disse Oliveira Martins a respeito da famosa 
embaixada que el-rei d. Manoel mandara á Roma : 

ff A embaixada, confiada a Tristão da Cunha, 
partiu de Lisboa em Janeiro de 1514 e foi rece- 
bida em Roma em Março. Era uma procissão 
magnifica, e o fasto espectaculoso do rei portuguez 
conseguiu deslumbrar essa corte de Leão X onde 
se reuniam os primores da civilisaçâo da Eu- 
ropa. » (2) 

ff O senhor rei d. João II (gz um pedido ao 
reino para o casamento de seu filho o principe 
d. Affonso, e esta foi uma acção daquelle rei que 
deslustra muito sua memoria; e como o pedido 
foi excessivo, e os povos não deviam essa contri- 
buição, porque só são obrigados ao casamento das 
filhas dos reis, e não dos filhos, se attribuiu á 
iniquidade deste tributo o successo funesto que 
teve aquelle casamento ».• (3) 



(i) Gonçalves Dias — Sextilhas de frei Antão. 

(2) Historia de Portugal— tomo II, pag. 6. 

(3) Conselheiro ultramarino António Rodrigues da 
Costa, trecho citado á pag. 29 da Historia da Conjuração 
Mineira. 



124 

Pag. 67. 

A jóia que o reino junca 

De 1700 a 1820 (conforme se vê da nota in- 
serta á pg. 81 á' O Brazil e as Colónias de Oli- 
veira Martins) extrahiram-se na capitania de Minas- 

Geraes 35.687 arrobas de ouro, ou sejam 

1. 41 5. 414: 939^040 ! ao cambio actual de 91/8 di- 
nheiros por mil réis. Addicionem a esta somma 
a importância correspondente ao diamante explo- 
rado até 1822, cuja lavra era estanco régio, que 
calculo em mais de um milhão de quilates (i) e 
vejam se Minas-Geraes era ou não a jóia de mais 
valor da coroa portugueza. 

Representando o quinto do ouro 20 °/o sobre 
a quantidade extrahida, segue-se que este imposto 
subiu na época acima considerada a 7 1 37, 4 ar- 
robas, ou sejam 283.082:9871)808, ao mesmo cambio 
de 9 1/8 dinheiros por mil réis, durante o qual a 
gramma do precioso metal tem obtido o preço 
médio de 2^700 rs. 

Consulte-se a respeito dos terrenos diamantinos 
a interessante monographia do dr. Joaquim Fe- 
lício dos Santos, publicada em 1868. 



fl) A quanto nao subiriam o ouro e diamantes contra- 
bandeados ? 



125 

Pag. 69. 

Na triste cadeia velha 

* Nesse edifício dos tempos coloniaes, hoje 
completamente transformado, funcciona a camará 
dos deputados federaes. 



Pag. 70. 

Já na masmorra Glauceste, 

Muito se tem escripto e falado sobre o sui- 
cídio ou morte de Cláudio Manoel, sem se 
chegar a uma conclusão definitiva. Eu subscrevo 
o que diz Charles Ribeyrolles á pg. 19 do Brazit 
PittorescOj porque nâo estou convencido do assas- 
sinato do inditoso bardo mineiro por mandatários 
do visconde de Barbacena : 

(( Cláudio le. poete était un de ces délicats, 
un de ces penseurs fiers, mais tendres, qui n'aiment 
point le bruit. lis redoutent la gloire sauvage 
des échafauds, et quand ils le peuvent, ils s'arran- 
gent de leur mieux pour mourir, loin des foules» 
Condorcet fit, plus tard, comme Cláudio ». 



126 

Pag. 70. 

E setej feitos em postas^ 

São : 

Joaquim José da Silva Xavier, Francisco de 
Paula, Alvares Maciel, Alvarenga Peixoto, Do- 
mingos de Abreu, Francisco António e Luiz Vaz 
de Toledo Pisa. 

Pag. 72. 

Tenho minfCalma embebida 

(( Causava admiração a constância do réo, e 
muito mais a viva devoção que tinha aos grandes 
jnysterios da Trindade e da Encarnação ; de sorte 
que, falando- se-lhe nestes mysterios, se lhe divi- 
zavam as faces abrazadas e as expressões eram 
cheias de uncção ; o que fez que o seu director 
não lhe dissesse mais nada senão repetir com elle 
o symbolo de S. Athanasio. O valor, a intrepidez 
e a pressa com que caminhava, os solilóquios que 
fazia com o crucifixo, que nas mãos levava, en- 
cheram de extrema consolação aos que lhe assis- 
tiam ». (i) 



(i) Últimos Momentos dos Inconfidentes— Gazeta de No- 
ticias de 21 de Abril de 1890. 



127 

Pag. 72. 

iíOra eu morrer enforcado U.., 

Phrase de Vidal de Barbosa, pronunciada após 
a leitura de sua sentença, e que tinha funda- 
mento no facto de haver elle ouvido o juiz da 
alçada dizer ao governador da fortaleza da Ilha 
das Cobras, atravéz de pequena abertura que fi- 
zera na parede do seu cárcere, que apenas um ou 
dois seriam enforcados. 

Pag. 73- 

Nicolau^ emquanío, emqtianío 

Esse generoso, heróico e dedicado negro, esse 
diamante preto, na bella phrase de A. D. de 
Pascual, acompanhara seu velho senhor á prisão, 
ajudára-lhe a supportar o peso das férreas cadeias, 
estava resolvido a morrer com elle na forca e 
cerrou-lhe os olhos nas terras do exiilio, ^' nesse 
ninho seu paterno^) de onde a cobiça e a crueza 
dos brancos o haviam roubado ás doçuras da li- 
berdade, arrochando -lhe os pulsos com as algemas 
da escravidão ! Que exemplo de ternura, de dedi- 
cação e altruísmo não deu esse africano sublime 
a muito europeu duro, ingrato e egoísta ! Merece 



128 



também os encómios da posteridade o fiel pardo 
Alexandre, escravo do padre José da Silva de 
Oliveira Rolim. 

Pag. 74. 

Vale a vida^ porventura, 

Rezende filho, como o ardente Maciel, aguar- 
dava com resignação e dignidade a hora do tre- 
mendo sacrifício. 

Ibidem. 

Supporta, amtgOj a desgraça. 

Exhortaçào de Maciel a Francisco António 
«cujo olhar errante e espavorido percorria um a um 
os seus companheiros de infortúnio» (i). 



Pag. 81. 

Que o brigadeiro^ por demais garrido, 

Refiro-me ao commandante das armas Pedro 
Alvares de Andrade. 

(1) Histoj-ia da Conjuração Mineira^ pag. 401. 



129 

Pag. 8i. 
Rola na salva de um irmão da bolsa^ 

«Foi tal a compaixão do povo pela infelicidade 
temporal do réo que para apressarem a eterna offe- 
receram voluntariamente esmola para se dizer 
missas por sua alma, e na mesma passagem tirou 
o irmão da bolsa cinco doblas» (i). 

Ibidem. 

Com apparatos se redobre a pena 

« Nunca se viu tanta clemência / » bradou o 
piedoso frei Raymundo de Penaforte ; nunca se vio 
tamanha atrocidade l bradamos nós, os republicanos 
do século dezenove. Voltemos ao passado e acom- 
panhemos os festejos deslumbrantes que se fizeram 
na capital do vice-reino por occasião do supplicio 
de Tiradentes : 

«Soaram com alegria os instrumentos bellicos; 
de seus quartéis marcharam os regimentos, que 
guarneciam esta praça, com os seus respectivos 



(l) Últimos Momentos dos Inconfidentes, 



130 



uniformes maiores e foram postar-se nos logares 
determinados. O regimento de Moura bordava toda 
a rua da Cadeia de uma e outra banda, continuava 
o regimento de artilharia até o largo da barreira 
de Santo António, chamado o campo da Lampadosa; 
avulsas patrulhas demandavam continuadamente este 
largo, afastando o indizivel concurso do povo, que 
cada vez mais se apinhava. Os demais regimentos 
estavam postados em figura triangular, deixando 
uma praça vasia, na qual estava a forca elevadis- 
sima, de sorte que a escada, por onde se subiria 
a ella, tinha mais de vinte degraus, e as columnas 
dos regimentos reforçaram-se ao depois das outras, 
que bordavam a dita rua e marcharam na reta- 
guarda de todo o acompanhamento^ que seguia o 
réo. Dava a tropa as costas ao patibulo; as cartu- 
cheiras estavam providas de pólvora e bala. 

Commandava este campo o brigadeiro Pedrp 
Alvares de Andrade, que tinha dado o risco desta 
postura em ordem aos respectivos chefes do regi- 
mento. Em soberbo e bem ajaezado cavallo p 
brigadeiro percorreu todo o campo, observando o 
alinhamento da tropa. Ao lado do brigadeiro rica- 
mente montado ia d. Luiz de Castro Benedicto 
como ajudante das ordens do exmo. vice rei, seu 
pae j a sua guarda de respeito era de dois soldados 
de cavallaria e dois sargentos-móres, egualmente 



131 



bem montados, acompanhavam o ajudante de ordens 
para as expedições, que fossem necessárias» (i) 

«As janellas das casas estão vindo abaixo de 
tanto mulherio ; cada uma apostava com a outra o 
inelhor asseio» (2). 

Pag. 82. 
Da praça em meio ao cadafalso erguido^ 

«No dia 21 de Abril, no meio dos festejos 
officiaes^ e escandalosamente impostos, e ao jubir 
loso repique dos sinos, Joaquim José da Silva 
Xavier, o Tiradentes, subiu á forca e morreu com 
profunda contricçáo religiosa e com inabalável 
coragem. 

A forca íoi parA elle um monumento. 

O homem quasi obscuro entre os grandes 
homens da conjuração mineira foi pela própria 
iniquidade • da sentença elevado acima de todos 
elles. 

A forca mostrou-se tão alta que apresentou 
Tiradentes á posteridade.» (3) 



(i) Últimos Momentos dos Inconfidentes. 

(2) Ibidem. 

(3) J. M. Macedo — Ànno Biographico^ pags. 500 e 501. 



132_ 
Pag. 82. 

Cor/a, posteja / que a tarefa inglória 
Quer a justiça que se acabe assim : 

Eis a sentença da alçada, de triste e execranda 
memoria : 

«Portanto condemnAo ao Réo Joaquim José 
da Silva , Xavier, por alcunha o Tirâdentes, alferes 
que foi da tropa paga da Capitania de Minas 
aque com baraço e pregação, seja conduzido pelias 
ruas publicas ao Lugar da forca, enella morra 
morte natural para sempre, eque depois de morto 
ihe seja cortada a cabeça elevada a Vil la Rica, 
aonde em lugar mais publico delia será pregada 
em um poste alto até que o tempo a consuma, 
eoseo corpo será divido {textual^ nota da redacção 
do Archivo do Districto Federal, de onde tran- 
screvo esta peça sesquipedal da justiça lusitana) 
-em quatro quartos, epregados em partes pelo ca- 
minho de Minas no sitio da varginha e das Cebolas 
aonde o Réo teve as suas infames praticas, eos 
mais nos sitios de Maiores povoações, até que o 
tempo tãobem os consuma; declarào o Réo in- 
fame, eseus filhos enetos tendoos, eos Seus bens 
applicâo para o Fisco ecamera Real, eacàsa em 
que vivia em Villa Rica será arrazada e salgada. 



133 



para que nunca mais no chào se edifique, enào 
sendo própria será avaliada epaga aseo dono pellos 
bens Confiscados, eno mesmo <:hâo se levantará 
um padrão pello qual se conserve em memoria a 
infâmia deste abominável Réo» ! ! ! 



Pag. 82. 

Herde / já luzes na brazilia historia ! 
Judas / começa teu errar sem fim ! 

Tiradentes ha sido glorificado pela pátria que, 
dia a dia, lhe honra, exalta e dignifica a memoria. 
Silvério, o Caim, esse Judas maldicto, que só a 
28 de Janeiro de 1809 poude obter o premio da 
horrenda perfídia, curvado pelo peso cyclopico de 
seu crime execrando, lá foi morrer ao Maranhão, 
onde repudiou o appellido, como havia repudiado 
seus companheiros da Inconfidência. 

Em artigo transcripto ^V O Movimento de 
21 de Abril de 1889, publicado em S. Borja, 
cidade missioneira de onde partira o alarme contra 
o reinado de Izabel, disse meu pae, esse ex-liberal, 
republicano histórico e abolicionista, que laborara 
na imprensa, já nas officinas do Jornal do Com- 
mercioj já em Pernambuco na folha dos rebeldes de 
48, já no celebre Itamontano^ de Ouro Preto, e 



134 



cujos trabalhos dispersos pelas columnas de vários 
periódicos do Brazíl hei de, se Deus me ajudar, 
colligir em tempo : 

n Tributar homenagem á memoria dos grandes 

patriotas é mais do que Uma simples cortezia è 

um dever sagrado. 



Ha noventa e seis annos rolava uma cabeça 
no cadafalso ! Rolava a cabeça do Tiradentes, o 
martyr da liberdade pátria, victima dos tyrannetes 
de outr'ora e do canibalismo dos aulicos. 

Cobardia ! 

— Onde pairam os preciosos restos do campeão 
da liberdade?... Na valia commum 

Vergonha ! 

E a memoria do grande martyr passou e desap- 
pareceu como passam e desapparecem as nuvens 
açoutadas pelo nordeste em noutes de inverno ! 

Nenhum monumento (ainda que modesto) lhe 
foi erigido até hoje, que lhe perpetue a memoria: 
ingratidão !» 

Têmpora mutantur, meu pae ! 

Hoje, na principal praça de Ouro Preto, Tira- 
dentes ofTerece o dorso ao palácio — fortaleza, antiga 
residência dos ferozes e rapaces governadores, e 



135 



encara de frente a estatua da Justiça, erecta em um 
dos ângulos da monumental cadeia. 

Verdade é que ainda pompeia no centro do 
largo, cujo pó lhe bebera o sangue impolluto, essa 
«brônzea mentira», que se nâo fundiu á rubra aurora 
de Quinze de Novembro de 1889 ! 



^ 



ira- 
tiga 



insTDIOE 



Pags. 

Introducçâo ' 9 

Invocação 15 

Canto I .; 17 

Canto II 23 

Canto III 3^ 

Canto IV .'. 37 

Canto V ....- 45 

Canto VI 53 

Canto VII 61 

Canto VIII 69 

Canto IX 79 

Notas 83 



116173